Dos seus exercícios poéticos juvenis nasceram sua primeira obra – a Vida Nova – poemas influenciados pelo estilo Provençal, muito em voga nas escolas da época. Pleno de um lirismo que refletia a concepção cavalheiresca do culto à mulher na idade média, como se ela não fosse uma criatura física, mas uma abstração, um símbolo dos sentimentos e aspirações mais elevados que um ser humano pudesse sentir. Entende-se assim o porquê de tornar-se “fácil” para um Dante apaixonado ser atraído pelas letras e por elas tentar exprimir seus sentimentos.
A mulher como santa, uma idéia, imaterial, sem corpo, apenas um sentimento, o princípio feminino em si da devoção, da entrega, do amor admirável, uma imagem recorrente e oriunda da virgem Maria, este signo curioso da Igreja católica romana revela um estilo/senso estético muito bem explorado pela igreja e artistas da época que atrevessou séculos permeando histórias outras, desde os antigos textos dos cavaleiros da saga arturiana – O Rei Arthur da Bretanha e sua távola redonda encantada por Merlin e apaixonada por Guinevèrre – , até a irônica e satírica espinafragem a que foi submetida pelo infante Quixote de Saavedra, na obra de Miguel de Cervantes, apontando para além dos moinhos o ápice da decadência do estado feudal, e em cuja tórrida paixão pela intangível Dulcinéia del Toboso fica demonstrada a sandice daquele platonismo lírico.
Os mesmo traços de ruptura são também percebidos em Camões, já abandonando o estilo provençal propriamente dito e inaugurando a poética no dialeto português/galego que o trouxe entre louros até hoje.
Dante, contudo, era um poeta trovador, era o homem síntese da idade média, reunia em si a conjugação do pensamento da cultura medieval, em última instância a resultante da junção entre a cultura clássica com a cultura cristã. Era assim, entre outras coisas, crítico de seu tempo com larga visão política. Além disso, era, do ponto de vista filosófico, uma figura eclética, pois abraça e faz suas, sem discriminação, todas as correntes de pensamento, gnoseológicas, morais e religiosas que o haviam precedido e que estavam vivas no seu tempo. Uma prova disso, talvez, seja o ajuntamento de pessoas, poetas, seres mitológicos e históricos que põe igualmente no Limbo – a ante-câmara do Inferno de sua Comédia – Homero (de quem copia sem cerimônias o estilo), Horácio Sátiro, Virgílio, Lucano, Ovídio, Electra, Heitor, Bruto, Aristóteles, Sócrates, Platão, Orfeu, Hipócrito, Avicena, Averroés etc.
Na juventude Dante gostava de festas, saraus e disputas acadêmicas nas quais demonstrava sua capacidade e grande inteligência criativa. O drama da vida humana para ele consiste na fraqueza daqueles que não sabendo resistir às tentações que exercem os bens terrenos, efêmeros e inconsistentes, afastam-se da salvação espiritual, só possível por quem possui as quatro virtudes cardeais – força, justiça, temperança e prudência – aliadas as três virtudes teologais – fé, esperança e caridade – as únicas que conduzem a Deus e que formam um escudo protetor contra os ardis do demônio. Sete virtudes em oposição aos sete pecados capitais. Será?
Dizem os críticos que se aproximou dos poetas trovadores e que com eles fundou uma ordem poética secreta na qual falavam e escreviam apenas na Langue D’Oc, uma espécie de código cifrado, um dialeto praticado por poucos franceses poetas, para que só os iniciados compreendessem. Ali, com aqueles companheiros e naquela língua, que ele chama de Língua Vulgar, ainda que a defenda como superior às demais, comparando-a, às vezes ao latim clássico, Dante exprime seu descontentamento e se posiciona contra a política vigente e com a excessiva presença do clero e da Cúria papal nos negócios de Estado. E nem poderia ser diferente com uma Inquisição sempre às portas e pronta para lançar alguém em uma fogueira de purificação!
Quando Beatriz se casou o poeta suportou com serenidade o fato, posto que já se preparara há muito tempo para esta infeliz situação. Entretanto, o nome e a figura da bela moça estavam indissoluvelmente ligados à sua vida e à sua obra poética e ele continuou a escrever inspirado em sua musa, cada vez mais versos, poemas e canções imortais. Talvez, para escapar um pouco do tormento de um amor verdadeiro, incongruente e não correspondido, fruto de uma dialética atemporal encimada por costumes e tradições morais, aos quais não poderia ignorar, nem que quisesse, Dante se alistou nas forças armadas de sua cidade, o que em certa medida também correspondia as aspirações dos jovens florentinos que não queriam permanecer na linha da mediocridade dos camponeses, e que por isso se adestravam nas lides militares como forma de ascender socialmente.