“O quanto possa, seguirte-ei, decerto; e por ser-nos difícil a visão, terei ouvido à tua voz desperto.”
Purgatório – Canto XVI – (vs. 34,35,36)
Mais tarde a alma de um outro poeta, já no Canto XXI – chamado Estácio (compositor da Tebaida e da Aquileida – poemas épicos de 70 d.C.) – levanta-se, interpela Virgílio e explica-lhe a razão do movimento do monte e do grito. Nada do que ocorre na terra ocorre ali, os fenômenos físicos observados na superfície do planeta, como a chuva, os ventos, os tremores, o arco-iris, são específicos da superfície e não se reproduzem no Purgatório.
O tremor sentido deveu-se ao fato de Estácio, depois de mais de onze séculos, levantar-se finalmente absolvido de todos os seus pecados e econtrar-se pronto para sua ascensão ao Céu. O grito era o coro das almas em júbilo que acalentavam, naturalmente, o desejo de subir ao Céu, mas este guardava-se cioso de fazer-se cumprir o prazo exato da purificação. Ouvindo tal explicação Dante se dá por satisfeito e fica calmo.
Enfim, curiosamente, Dante apresenta a Estácio o poeta Virgílio. O primeiro, diz, exprimindo sua imensa admiração que passaria com gosto mais um tanto de tempo no Purgatório se lhe fosse dada a oportunidade de viver na época de Virgílio, de quem se considerava um discípulo, e com ele manter relações de amizade e poder falar-lhe. “O que ao meu lado está é na verdade Virgílio, a cuja luz te acostumaste a celebrar o herói e a divindade.”
No Canto XXII, chegando ao sexto terraço, um Anjo do perdão apaga a quinta letra P da fronte de Dante, nele impressa pelo Anjo porteiro – livrando-o assim do pecado da avareza, a fonte de toda a injustiça. Dante sente que o caminho é cada vez mais leve. Daqui para frente, no poema, os três poetas passam a caminhar juntos, e conversam e trocam “confidências”.
Nos versos seguintes, ainda no Canto XXII, Estácio explica a sua conversão ao cristianismo e diz que não fora punido por avareza, mas sim pelo pecado contrário, pela prodigalidade – ou seja, fora um esbanjador, e que os dois pecados se pagavam ali, naquele giro do Purgatório. Só estava ali, e não no Inferno, porque lera a Eneida de Virgílio e suas Églogas e entendeu seus versos e pode se redimir a tempo. Virgílio sente-se feliz por estar ali, de frente com alguém que o leu e que soube tirar-lhe proveito.
“Quando disseste: – O tempo se transmuda e se restaura o bem pela novel progênie que na luz do céu se escuda.” (citação da Égloga IV de Virgílio) Estácio diz ter visto naqueles versos obscuros, a prenunciação da vinda de Cristo, e abraçou o Cristianismo, por isto estava salvo. Iam assim os três pelo caminho quando divisaram, à sua frente, uma frondosa árvore de frutos atraentes, mas em cujos galhos era impossível subir para colhê-los.
Ainda no sexto terraço, Canto XXIII, padecem de fome e sede os gulosos e os entregues ao vício da bebida, aqui magros e consumidos. Dante reconhece uma das almas ali presentes purgando os seus pecados. É Forese Donati, poeta preovençal como Dante e irmão de Corso Donati, líder Negro da facção guelfa, a mesma que impingiu ao poeta perseguição feroz e condenou-o ao exílio. Forese, que era amigo de Dante em vida, lhe explica o porquê da existência da árvore cheia de frutos e da água que fluía do alto de sua copa, para atiçar-lhes a fome, e para lembrá-los de seus pecados.“Seus olhos pelas órbitas entravam, e exibiam no aspecto tal magreza, que à flor da pele os ossos se mostravam.”