“Nele assentado, a face coruscante, quedava-se o Anjo, do portal à frente…”
Purgatório – Canto IX – (vs. 103/104)Um anjo guardava a entrada daquele local e depois de manter uma breve conversa com Virgílio, permite que os poetas adentrem.“Eia, fala daí!” foi a sua voz: “Quem voz conduz por esta eleita via? Não podeis sem perigo chegar sós!” Este Anjo, com a ponta de sua espada reluzente escreve sete vezes na testa de Dante as letras PP – que simbolizam os sete pecados capitais a serem expiados nos sete terraços do Purgatório, e com efeito, uma vez adentrado, um outro Anjo vai com suas asas apagando as letras, uma a uma, na medida em que o poeta avança e os expia.
No Canto X os poetas encontram os soberbos e os orgulhosos, curvados ao peso de imensas pedras. Percorrem o primeiro terraço do purgatório que era íngreme e da largura de tres corpos, e em suas paredes de mármore enormes esculturas simbolizando humildade deixam o poeta maravilhado. Dante diz que a arte da Natureza imita a arte Divina, pois foi criada por Ele, e que o homem deve imitar a arte da Natureza, pois sua arte é produto desta natureza. “Deixa aqui desprender-se a tua mente…”
No Canto XI os orgulhosos e os cheios de soberba carregam pedras enormes curvados, e andando em arco. Dante os descreve como àquelas figuras de pedra que sustentam colunas, com o tórax retesado, os músculos todos fletidos num supremo esforço para sustentar o peso. Cada pedra tem o tamanho e o peso exatos do orgulho que o vivo ostentava quando em vida.
As almas passam entoando um Padre Nosso “adaptado” (versos 1 a 24), uma paráfrase da oração, e lá, dentre aqueles sofredores, o poeta reconhece alguns contemporâneos de sua terra e com eles trava pequenos diálogos. “Que a justiça de Deus, sua piedade as asas vos libertem à revoada que voz conduza onde é vossa vontade.” NoCanto XII os poetas marcham pela via ao lado do monte observando o piso, onde se encontram gravados vários desenhos que representam a soberba castigada.
Surge, então, um Anjo que lhes indica a passagem para o terraço seguinte. Virgílio aconselha Dante a andar fitando o chão e a observar os desenhos ali feitos, pois todos mostram cenas de personagens famosos na história – A queda de Lúcifer, o Anjo mais belo de todos, a morte de Briareu o maior de todos os gigantes e que tinha cem braços, fulminado pelos deuses do Olimpo que foram, por ele, desafiados numa guerra; O Rei Nemrode, cuja soberba o fez construir a Torre de Babel na planície de Senaar, e que ficou em estado de alheação e alucinado após o castigo divino que confundiu as línguas dos operários da imensa obra.
Saul, de Israel, que matou-se por não suportar em seu orgulho a adversidade de ter sido derrotado pelos Filisteus, Aracne a tecelã mais hábil da Grécia que tentou ser melhor do que a deusa Minerva e por esta foi transformada em uma aranha.
“Ó Aracne, que eu via, por sinal, em mutação, ao pé da tecelagem, que belamente urdiste e foi teu mal!”
Purgatório – Canto XII – (vs. 43/44/45)
Naquele terraço um Anjo apaga-lhe um primeiro P da testa – referente ao pecado da soberba, mas Dante nem se aprecebe disso, embora comente com Virgílio que se sente mais leve. “Mestre”, eu disse, “parece que algo grave de mim se desprendeu, e sem cansaço, já não sinto no andar qualquer entrave.” Observando o embaraço meio cômico de seu companheiro, Virgílio sorriu, naturalmente.
No Canto XIII, segundo terraço do Purgatório, Dante encontra as almas dos que, em vida, foram dominados pela inveja. Estavam encostados no paredão do monte e tinhas os olhos costurados por fios de ferro, o quê lhes impedia totalmente a visão. Ali o poeta encontra uma grande dama da sociedade de Siena, da importante família Salvani. Lá, também, alguns anjos voavam acima sem serem vistos e falavam com vozes fugidias palavras que lembravam exemplos de altruísmo, bondade e caridade.
“Que é isto, mestre?” eu disse surpreendido. E mal o interrogara, eis que a terceira (voz) “Ama”, bradou, “a quem te haja ofendido!” Virgílio explica então a Dante que ali é o segundo terraço, o dos invejosos, e assim convinha que fossem flagelados ouvindo aqueles incitamentos ao altruísmo, à bondade – o mal se elimina pelo contrário. Ele deverá continuar a ouvir aquelas vozes até atingir o passo do perdão, a trilha para o próximo terraço, o terceiro, onde, novamente, um Anjo apagará outro P – o segundo – de sua testa.
No Canto XIV, ainda no segundo terraço, destinado aos invejosos, Dante é interrogado por dois espíritos de olhos costurados a ferro, que lhes narram de forma candente a triste situação da Toscana e a decadência e a corrupção em que imergira sua própria pátria, a Romanha. As vozes continuavam a descer do céu, brados largados por espíritos com a finalidade de atormentar as almas e fazer-lhes pensar em seus pecados expiando-os. “…eis que uma voz, em tom rude e certeiro, do alto desceu, de encontro a nós, bradando: “Mate-me aqui o que chegar primeiro!” Dante faz referência neste verso à fala de Caim após ter matado seu irmão Abel.
No Canto XV os poetas chegam ao terceiro terraço, onde padecem os iracundos (tomados de ira). Uma visão, um rapto alucinatório, arrebata Dante e ele vê exemplos de mansuetude e misericórdia: Maria vai buscar Jesus, ainda garoto, que sumira e se encontrava com os doutores discutindo no templo.