Divina Comédia é uma obra dividida em três partes (livros): inferno, purgatório e paraíso. Cada uma dessas partes tem (33) trinta e três cantos, de modo que temos (99) noventa e nove cantos. Acrescentando-se o canto introdutório temos o total de cem (100) cantos. Vê-se, desse modo, como Dante fez questão de utilizar os números um (1) e três (3) , símbolos de Deus uno e trino. Por isso, ainda, cada canto é dividido em tercetos, nos quais o primeiro verso rima com o terceiro.
Mais: em cada parte da obra os números dez (10) e três (3) se repetem de vários modos. Assim o inferno tem nove (9) círculos, aos quais acrescentando-se o limbo (de onde sai Virgílio que vem ao seu encontro), se alcança o número dez.
No purgatório, Dante descreve, primeiro, uma pequena ilha, na qual se levanta o monte do purgatório. Depois fala do que ele chama de ante-purgatório, passa pelo vale dos Príncipes, para, a seguir, passar pelos sete patamares, onde as almas se penitenciam, antes de subir ao céu. Finalmente, no alto do monte do purgatório, entre belos e frondosos jardins, Dante localiza o paraíso terrestre, totalizando, também nesta segunda parte da obra, dez lugares diferentes. No paraíso, o poeta passa pelos nove céus e pelo empíreo, portanto, dez lugares também.
No Inferno, os condenados são classificados em ordem ternária: nos primeiros círculos estão os que pecaram por intemperança, isto é, por amor desregrado a um bem menor; depois vêm os que pecaram por violência; finalmente os que pecaram com a razão, por fraude. Muitas vezes essa divisão ternária se repete dentro de um mesmo grupo de pecadores. Assim, os que pecaram por intemperança dividem-se em três sub-grupos: os que pecaram por amor ao prazer; os que pecaram por amor à gula, e os que pecaram por amor à realização de sua vontade, isto é, por ira (os iracundos). Os violentos, por sua vez, são classificados em violentos contra o próximo, violentos contra si mesmos, e violentos contra Deus. Os ternários são uma constante.
No Purgatório, são punidos os que pecaram por amor. Primeiro, os que pecaram por erro no objeto do amor (amor de si mesmos, ou soberba; amor do mal alheio ou inveja; amor de vingança). Em segundo lugar, vem os que pecaram por falta de amor ao bem, isto é, por acedia ou preguiça. Finalmente, estão os pecadores que amaram desregradamente ou o ouro, ou o paladar, ou o prazer carnal.
No Paraíso, se descrevem, antes de tudo, os céus inferiores, onde estão os que amaram retamente bens terrenos. Depois, são descritos os céus onde são premiadas as almas ativas; finalmente se fala das almas contemplativas. Embora pareça haver distinção valorativa nestes céus, Dante deixa claro através de seu diálogo na Lua com Picarda (Canto III – vs. 55 a 66) que Deus está contente por esta distribuição e que cada qual está no lugar que merece, e por isso mesmo, também todos ali estão contentes. “Sua vontade é, para nós, a paz:…” Canto III vs. 85.
Muitos outros ternários há na obra de Dante, que confirmam a preocupação de homenagear a Deus uno e trino pelo uso dos números um e três. A inspiração pode te vindo de seus estudos da escola Pitagórica, que assentia o conhecimento sobre os números e as grandezas matemáticas como fundamentos da própria existência, forças ocultas da manifestção do próprio deus.
O paraíso de Dante tem duas notas fundamentais: luz e doçura, “lumen et dulcedo”, binômio típico da escola e do pensamento de São Victor, particularmente de Hugo de São Victor. Este filósofo do século XII, amigo de São Bernardo (também canonizado pela igreja), deixou obras interessantíssimas que muito influíram no pensamento de Dante. Note-se, contudo, que a própria igreja católica da época condenou e lançou ao index librorum prohibitorum da Inquisição um dos livros de Dante que se posicionava frontalmente contra a bula do papa Bonifácio VIII (nesta bula o Papa se declara tão ou mais importante do que o Imperador e diz que o Estado deve submisão à Igreja).
Na Comédia Dante lança Bonifácio no Inferno, seguramente baseado no versículo bíblico em que o próprio Cristo afirma nos Evangélios a divisão dos poderes – “Dai a Deus o que é de Deus e a Cesar o que é de Cesar.”(Livro de Marcos Cap. 12 – vrs. 17).
Na Música, arte/ciência incontestável, existe a figura do trítono – diabolus in crucis – focalizado pela Igreja medieval como elemento proibido nas construções hamônicas da época porque não apresentava uma finalização, ou seja, deixava em aberto a sequência musical proposta sem uma resolução auditiva, levando o compositor ou mesmo o ouvinte a um intrigante questionar-se sobre o que viria após. Essa abertura ao questionamento era inaceitável, pois não se coadunava com a ideologia fechada, pronta e acabada da igreja medieval. Na arte a igreja defendia a busca da perfeição, e para tanto era preciso seguir-lhes todos os cânones. O mundo estava pronto e devia-se aceitá-lo como tal. Ao homem comum nada restava senão resignar-se. A música sacra cristã seguia esta orientação tanto quanto todas as outras artes.
Os três volumes da Comédia são escritos em tercetos rimados e com apurada métrica, cheios de recursos literários comuns à época, no estilo provençal, e com grande riqueza de detalhes históricos, críticas políticas, excertos de filosofia clássica, de escolástica, citações helênicas e bíblicas, finíssima e ácida ironia, além de humor delicado,às vezes, ácido outras, mas sempre bem dosado. Todos os Cantos têm entre 130 (mínimo) e 151 (máximo) versos cada.
De qualquer forma, hoje, pode-se imaginar que a Divina Comédia de Dante Alighieri foi uma crítica ferrenha ao poder papal e imperial de sua época, um protesto irônico contra os modos já decadentes de sua cidade, aos seus políticos e figurões, e ao mesmo tempo um tratado de Ética e Moral, Filosofia e Religião, sem se descuidar de aspectos mundanos, se considerarmos que a língua usada não foi o latim clássico (comum aos grandes textos), mas o “vulgar” provençal (para poucos iniciados) usado e difundido a partir da Langue D’Oc.