Canto I – Dante diz que foi ao Empíreo – a morada celestial de Deus – após o nono e último céu. Ele divide o Paraíso em nove céus e diz que lá no, no último, viu coisas que sua memória não pode trazer de volta, mas que muito o impressionaram. “…porque, a ansiada meta a demandar, nosso intelecto se aprofunda tanto que a memória é incapaz de o acompanhar.” São nove céus concêntricos e à medida que se sobe mais se aproxima da luz e da glória do Criador (Primo Mobile). Dante reporta-se assim ao pressuposto Ptolomáico e à sua visão astronômica.
Chega lá depois de suplicar ao próprio Apolo (deus grego da poesia, filho de Zeus e guia das musas) que lhe dê alento para uma empresa de tanto fôlego. Nada modesto em suas pretensões, Dante afirma que quer receber o lauréu dos poetas, ou seja, quer cingir a coroa de louros que o distinguirá por toda a eternidade dos maiores poetas do mundo, ou pelo menos, o colocará em posição de mesmo destaque. São poucos os que a possuem na fronte. “…tu me verás chegar ao lenho em flor e cingir o laurel, dele somente pelo tema e por ti merecedor.”
Dante confirma assim que sua missão na terra é poética e que já sabia o que queria. Canto II – Dante chega à lua, o primeiro céu, o mais próximo da terra e o mais distante da morada de Deus. Neste canto, a partir do primeiro verso, ele adverte aos leitores que sem fundamento filosófico, sem conhecimento profundo (o que pressupunha verticalidade e horizontalidade no saber), não se devem lançar na mesma aventura que ele, e que sem ele a lhes guiar os passos seguramente se perderão.
Os curiosos devem ficar onde estão. “…volvei aos vossos portos protegidos: Não vos lancei ao largo, pois no mar, se me perderdes estareis perdidos!” Beatriz o acompanha, vendo-o extasiado pela velocidade com que se transportam – a da luz. Os versos seguintes revelam o conhecimento de Dante sobre a Física de então, como mostram as suas perorações e a discussão travada com Beatriz sobre reflexos, luzes, refração, rebatimento, enfim espelhos etc. Ele apresenta seus argumentos científicos e Beatriz os rebate fazendo-o rever seus conceitos, ou seja, Dante brinca consigo em sua poesia.
“Assim, vi alguns vultos bem defronte, como a querer falar…” – Paraíso (Canto III – versos 16/17).
No Canto III sob a luz do céu lunar, o que se move mais lentamente dentre os nove céus, o poeta vê figuras vagas e de traço impreciso, transparências luminosas que mais tarde fica sabendo serem as almas daqueles que votados ao bem, se viram impedidos de cumprirem integralmente seu voto religioso. “No instante mesmo em que eu os divisei, julgando-os só reflexos de semblantes, por ver de onde provinham me voltei.”
Ali conversa com Picarda Donati, que foi irmã e virgem na Ordem franciscana de Santa Clara. Ela era irmã de Corso Donati, líder Negro (Guelfo), e de seu grande amigo Forese Donati e de sua esposa Gemma Donati, com que se casara e tivera quatro filhos em Florença (na obra de Dante sua esposa e seus filhos não são citados).
Picarda estava ali, naquele primeiro céu por que sofrera humilhação física (provavelmente fora violentada por vários homens durante a cisma que também perseguiu Dante) e não pode cumprir condignamente seus votos religiosos. “Mas uns homens tão maus qual mais não sei arrancaram-me à força da clausura; só Deus sabe o que depois passei.” No Canto IV o poeta conversa com Beatriz e esta lhe explica a doutrina da anamnese da alma, ou seja, aquele que no Fédon (um dos diálogos platônicos) teoriza sobre o retorno das almas, após a morte, para a estrela de onde viera.
A alma que desce ao corpo esquece o que experimentou no período de sua existência (das outras vidas e do tempo em que está na estrela a espera de nova descida em um novo ser), ao contrário a alma que com a morte retorna ao além recorda o que experimentou cá. A ótima tradução de Cristiano Martins para a Editora Itatiaia, contudo, diz que esta doutrina encontra-se explicada no Timeu (outro dos diálogos platônicos); pode ser um engano meu, dado que só a pude encontrar no Fédon.