e como perché non li fosse tolta
vidi di costa a lei dritto un gigante;
e basciavansi insieme alguna volta.
“Deixa…e não te percas…A arca da luz, que a serpente corrompeu, já foi, não é…”
Purgatório – Canto XXXIII – (vs. 31,32,34,35)
No Canto XXXII a procissão dos sete candelabros sagrados reinicia a marcha, parando junto a uma enorme árvore desfolhada e em cujo tronco o Grifo prende o carro triunfal. Um canto suave faz com que Dante adormeça e quando acorda vê Beatriz sentada sob a árvore.
O poeta está meio acordado, nota que a alma do poeta Estácio está por ali, acompanhado-o ainda, e tem estranhas visões: a de uma águia – símbolo do Império Romano – que ataca primeiro a árvore (que pode ser a da ciência do bem e do mal) depois o carro triunfal – que representa a igreja; uma raposa magriclea e faminta, que pode simbolizar a heresia, sempre rondando e que é expulsa dali pela própria Beatriz, um dragão que fere a terra com o ferrão da sua cauda (simbolizando o próprio demônio, pois saíra das fendas da roda do carro sagrado).
Dante narra uma estranha transformação – a do carro sagrado em um estranho móvel, “No que restara ali do carro santo sete frontes com chifres repontavam, três ao timão e uma em cada canto. Dos bois os cornos os das três lembravam, mas às outras crescia um só à frente; decerto a quaisquer monstros suplantavam. E bem ao centro, ergueu-se de repente semi-desnuda prostituta, o olhar volvendo em derredor, lascivamente. A seu lado, em postura de a vigiar, estava um enormíssimo gigante, que se curvara para a acariciar.”
No Canto XXXIII Dante mais uma vez carrega no simbolismo. Beatriz, diz-lhe que em breve juntos subirão ao Paraíso, mas antes deve prestar atenção nas palavras que lhe proferirá para lembrar-se delas todas depois, quando retornar à vida. Ela diz a Dante que não há mais salvação na igreja, posto que o que vira no canto anterior fora a verdadeira transformação da santa igreja num covil de monstros. A prostituta semi desnuda era a própria igreja, caída aos pés do poder material e protegida por um gigante – um exército, um reino poderoso?
Neste canto, que se inicia com as lamúrias das sete damas (as três virtudes teologias – Caridade, Esperança e Fé – e as quatro virtudes cardeais: Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza) “Ó Deus, chegaram gentes ímpias a saquear a tua herdade”…, Beatriz explica detalhadamente o surgimento de um herdeiro, imperador do bem que iria restaurar o Império Romano e seu signo será quinhentos, dez e cinco – que em algarismo romanos se escreve DXV, segundo estudiosos um anagrama da palavra DUX que quer dizer em latim – líder, chefe, imperador. Desta forma Dante antecede em muito o estilo previsor de Nostradamus, outro intelectual que se debruçou sobre os assuntos da igreja e fez considerações sobre sua existência.
Segundo o nosso poeta DUX seria um vingador que viria exterminar a dama impura (a Cúria romana) e o gigante (a casa de França) que haviam conspurcado o carro santo (a Igreja). Estudiosos acreditam que seria um imperador de origem alemã, embora Dante sonhasse com a restauração de um império Romano, seguramente liderado por um italiano.
Adiante as damas o levam para um novo batismo, desta vez no rio Eunoé, em cujas águas o poeta se sacia e, purificado, recobra o sentimento do verdadeiro bem. Com os seguintes versos Dante termina a sua descrição do livro segundo, o Purgatório: “Volvi da sacratíssima ablução purificado como as plantas belas que se vestem de nova floração, pronto a subir às fúlgidas estrelas.”
Uma representação dos sete giros da ilha do Purgatório de Dante. Abaixo, à esquerda, a saída do Inferno, e no cimo do morro, jardim, o Paraíso terreal.
(arte em Photoshop de Volmer do Rêgo)