Para que a inteligência humana possa investigar a Deus pela sabedoria é necessário conhecer muitas outras coisas antes, pois praticamente todos os conhecimentos filosóficos se ordenam a este modo de conhecimento de Deus.
Tomás de Aquino – considerado o maior filósofo da Escolástica*, (sistema filosófico e conceito cultural que engloba o conhecimento desenvolvido pelos estudiosos da época fincado num tripé intelectual formado por Dante Alighieri, Egino de Colono e pelo próprio Tomás de Aquino) é sem dúvidas, uma influência ativa até hoje, pois seu sistema tem sido ensinado nas escolas públicas católicas desde a segunda metade do século XIX.
Sua influência foi responsável pela ampla aceitação da filosofia de Aristóteles em detrimento do platonismo, fazendo-a vigorar até o Renascimento, quando foi retomado o pensamento platônico (Neoplatonismo). Só para lembrar, Platão afirmava em sua Anamnese que a alma e o corpo eram substâncias separadas, defendia a dicotomia entre corpo e alma, enquanto que Aristóteles afirmava que juntos ambos formavam a identidade do ser, e portanto, eram indissociáveis*(vide nota 1 abaixo). Tese defendida por Bonifácio VIII em sua bula Unam Sanctam.
Tomás nasceu, possivelmente, em 1224 (era contemporâneo de Dante Alighieri) no Castelo de Rocca Secca, pertencente aos Condes de Aquino, num vilarejo em Nápoles, ao Sul da península italiana. Aos cinco anos ingressou no mosteiro beneditino de Monte Cassino, levado pelo pai, conde Landolfo de Aquino, um dos homens mais ilustres da Itália e amigo da família imperial. Depois foi estudar artes em Nápoles e adulto estudou Filosofia na Universidade de Nápoles, depois em Paris e em Colônia, Alemanha, sempre se destacando por onde quer que passasse. Morreu com apenas 49 anos.
Foi ativo colaborador de Alberto Magno, e dizem que aprofundou os conceitos estabelecidos pelo seu mestre contemporâneo; só chegou tão longe porque aquele lhe abriu os caminhos, ou pelo menos, os indicou. A vida de Tomás foi totalmente devotada à meditação e ao estudo. Hábil e metódico, soube sintetizar o que a inteligência humana já havia desenvolvido em Filosofia e em Teologia até então. Aliás, os mestres daquela época e de outras só podiam desenvolver tão impressionante capacidade de realizações intelectuais porque experimentavam a possibilidade de ficarem sozinhos. Ou seja, deixavam as coisas do mundo distantes. Hoje, isso parece ser um luxo já que fomos invadidos pelas modernas práticas de comunicação de massas, um disseminador de idéias e ao mesmo tempo um impeditivo para quem quer pensar autonomamente.
A teoria do conhecimento de Tomás de Aquino é a do realismo, ou seja, considera que os conceitos que aprendemos pelo conhecimento possuem uma realidade autônoma e objetiva. Recebemos do objeto uma impressão em forma de conhecimento, e estas impressões são o que conhecemos em primeiro lugar, já que elas remetem intencionalmente ao objeto que se observa. É uma análise formal – causa efeito – objeto/conhecimento. Tomás fixou-se, moderadamente no racionalismo, tomando como ponto de partida o que se capta pela inteligência no âmbito do conhecimento sensível.
Seu trabalho mais intenso é a Suma Teológica – cinco vias argumentativas que comprovam a existência de Deus, sua superioridade, sua infalibilidade, a fim de se firmarem na evidência – sensível e racional – dentro dos moldes propostos pela ferramenta da lógica aristotélica. A primeira via é a do movimento – o primeiro motor, o que move sem ser movido. A segunda via é a das séries das causas que supõem uma causa primeira; a terceira via é a da contingência – em filosofia contingente é aquilo que não possui em si mesmo a sua própria razão de ser. Assim como Deus é necessário, porque é a causa e a sua própria existência, o homem é um ser contingente. A quarta via é a dos graus da perfeição, de cunho platônico, e que só se explica ao atingir um grau máximo de perfeição, Deus. E a quinta via, a da ordem do mundo. Quando Deus estabelece a ordem do mundo Ele encaminha todas as coisas a si, como o centro, o fim a que todos devem atingir, o grau máximo da perfeição. Ora, Deus é o sumo bem, o bem supremo.
Para Tomás o homem tem o livre arbítrio, mas é encaminhado naturalmente para a beatitude. Ele também acata o princípio, como Agostinho, de que o mal é a ausência do bem; para o mal aplicamos a culpa e a pena. Todos que praticam o bem concorrem à providência, mas podem corrigir as suas culpas se errarem pela adoção do livre arbítrio, a partir da aplicação de algumas penas. Dessa forma, todos podem retornar ao caminho do bem e se livrar do mal.
*A ESCOLÁSTICA – O imperador Carlos Magno(742?-814) tentou reverter o quadro de estagnação cultural em que grande parte da Europa se encontrava graças as invasões bárbaras, quando muito dos conhecimentos da Antiguidade Clássica se haviam perdido. Reuniu, com o apoio da Igreja, sábios para ensinar nas escolas, mestres chamados scholasticus. As matérias ensinadas nas escolas medivais eram representadas pelas artes liberais, divididas em trívio – gramática, retórica e dialética – e em quadrívio – aritmética, geometria, astronomia e música, formando o conjunto dos ensinamentos que estavam de acordo com as doutrinas oficiais da igreja. É nesse contexto cultural de renovação e reconstrução que nasceu um novo período do pensamento cristão, conhecido como Escolástica.
A escolástica foi, cronologicamente, a última corrente filosófica da Idade Média e estendeu-se do início do Século IX ao XV. Recebe este nome porque era ensinada nas escolas medievais, nas quais os professores eram chamados de escolásticos. A palavra latina scholasticus provinha do grego skholastiké, que se referia àqueles que dedicavam seus momentos livres aos estudos, e por isso estava relacionada aos professores e às atividades escolares. No início da Idade Média o scholasticus era aquele que ensinava as artes liberais. Mais terde passou apenas a designar os professores de filosofia e teologia.
Os pensadores escolásticos tinham a mesma preocupação dos filósofos que os antecederam na época medieval, ou seja, contribuir para o debate entre a supremacia da fé ou da razão A diferença é que eles vão desenvolver a discussão, a argumentação o pensamento discursivo com que buscam conciliar a fé e a razão. Influenciados pelas redescobertas das obras de Aristóteles, colocarão a reflexão filosófica num patamar mais elevado. Um dos primeiros pensadores escolásticos foi Roscelino de Compiène (1050-1125), mas foi a um de seus discípulos, Pedro Abelardo*2 (1079-1142) que coube o papel mais destacado no desenvolvimento inicial desta escola do pensamento.
– NOTAS EXPLICATIVAS –
*(nota1) – Existe semelhança, ou pelo menos pontos de convergência, entre esta explicação da anamnese aristotélica e a dada pelos filósofos materialistas dialéticos do século XVIII e XIX – Karl Marx e Frederich Engels – ambos consideravam que a alma era o produto superior da matéria e sem a vida física ela também, supostamente, não deveria existir.
*(nota2) Pedro Abelardo foi um monge pensador, inquieto e polemista afeito às lides da ética, entre a razão e a fé, a lógica e os universais, dialética e realisticamente.
Sócrates, pregava que o verdadeiro objeto do conhecimento é aquilo que existe em comum em todos os seres individuais de determinado grupo, e não aquilo que distingue particularmente cada um deles. Assim, universal, na primeira análise é algo que se encontra em todos os indivíduos, de maneira permanente e imutável, e no segundo caso seria efêmero e relativo, o que não permitiria nenhuma certeza. Quando se quer saber o que é justiça, por exemplo, deve-se visar a justiça em geral, em vez de se ater a esta ou àquela ação justa particular.
Abelardo introduziu uma grande discussão sobre o tema e articulou uma síntese explicativa, aproveitando-se e ampliando os conceitos aristotélicos sobre o tema dos universais. Desta discussão filosófica surgiram dois ramos de entendimento: o realismo (defendido por Santo Anselmo) que afirma que os universais não só têm existência real, como constituem mesmo a mais autêntica realidade. Como idéia integra-se ao pensamento platônico que afirmava a existência de um mundo superior de idéias, das quais as coisas particulares conhecidas mediante os sentidos constituem apenas cópias imperfeitas e perecíveis.
Já o nominalismo (defendido por Roscelino de Compiène) toma posição oposta ao exposto anteriormente e abraça a tese de que a realidade é constituída pelos entes individuais, não sendo o universal mais do que uma simples emissão de voz (flatus vocis), meros nomes – daí a expressão nominalismo.
A solução dada por Abelardo afasta-se das posições extremadas, mas integra elementos de ambas e graças às suas interpretações assume posição de destaque na história da filosofia. Não resolveu as questões mas criou o nominalismo moderado ou não-realismo, politicamente uma terceira via e, fundamentalmente, logrou contribuição à lógica como disciplina autônoma, ao tratá-la mais como ciência das palavras (ou no pensar aristotélico, como ferramenta de explicar os têrmos, suas origens, formação e derivações, usos e aplicabilidade) do que de coisas, pondo de lado interferências metafísicas o que antecipou, segundo críticos, o racionalismo como uma corrente de pensamento e entendimento do mundo e suas coisas que se imporia vigorosamente no início da Idade Moderna.