Mentre noi corravam la morta gora,
dinanzi mi si fece un pien di fango,
e disse: “Che se’ tu che vieni anzi ora?”
Nas águas lamacentas do Estige, o barco atravessa sobre almas eternamente mergulhadas em dor e sofrimento.
Inferno – Canto VIII.Dante e Virgílio embarcam e uma daquelas almas, pecadora e curiosa, eternamente mergulhada nas águas negras e enlameadas do lago Estige, surpreende-se com o fato da barca afundar com o peso do corpo de Dante (o barco só carregava almas, e Dante está vivo, tem peso, massa corpórea) e o questiona – “…Por que viestes tão cedo?Ainda estás vivo?…” E Virgílio, ante o fato, é obrigado a intervir novamente e a explicar ao barqueiro Flégias que grita e já se põe nervoso com aquele homem vivo em seu barco, que Dante só está ali de passagem. Na outra margem do lago, alguns demônios também gritam para que Dante abandone o local, para que se afaste dos portões da cidade de Dite, ou de Lúcifer, e desta vez o poeta sente medo. Virgílio, porém, o acalma, não o deixará só no Inferno, afirma, e vai pessoalmente falar com os demônios.
No Canto IX, para infundir-lhe confiança, Virgílio o lembra que só está ali a pedido de Beatriz, portanto nada deve temer, pois ao seu lado tem a proteção celeste. Um anjo vem e abre-lhes as portas da cidade, mas Dante, ingenuamente, ainda receoso, questiona se Virgílio, alma do Círculo primeiro – o Limbo -, tinha poder suficiente para fazer aquela viagem. “Verdade é que uma vez cá estive eu, pela cruel Eritone evocado que as almas reconduz ao corpo seu:” Virgílio o acalma, mais uma vez, dizendo que sim, pois fora ele mesmo, no passado, enviado por uma feiticeira – Eritone – e incumbido da missão de resgatar um espírito a ser ressucitado (o de Pompeu, para predizer-lhe o resultado da batalha de Farsalo), e que portanto, já tinha estado ali anteriormente. Assim, adentraram ao sexto Círculo onde em tumbas inflamadas jazem os heréticos.
Ali, no Canto X, Dante dialoga com Farinata Degli Uberti e com o pai de seu amigo Guido Cavalcanti, ambos fiorentinos, sobre os destinos de sua cidade natal. Na saída deste Círculo, no Canto XI, os poetas são detidos por um fedor pestilencial que vem do fundo e os envolve ao pé do sepulcro do Papa Anastácio II, e lá Virgílio explica a Dante, detalhadamente, como é feita a distribuição dos castigos no inferno: “…a lisonja, a má-fé, mais a esperteza, a simonia, o roubo e o peculato, piratas e rufiões, e igual vileza…”
No sétimo Círculo e Canto XII, guardados por um minotauro, está o Trio – três giros, ou seções do Inferno onde sofrem no primeiro giro os violentos contra outrem – tiranos, homicidas e ladrões a mão armada – submersos em sangue fervente, e todas as vezes que conseguem colocar meio corpo para fora são atingidos por flexas e dardos disparados por centauros (entre eles Quíron, o mais sábio e que, diz a lenda, serviu de mestre a Aquiles e a Esculápio, ensinando a este último as artes da música, da dança, da medicina e da cirurgia) que os espreitam e aguardam. “…São milhares, que afluindo, lado a lado, alvejam os que à tona vão subindo mais do que lhes faculta seu pecado…” Nesso, o centauro que raptou Djanira, a esposa de Hércules e que por este foi morto a flechadas, conduz os poetas até a saída deste círculo.
Diz a lenda que Hércules o matou, mas Nesso vingou-se mesmo depois de morto, pois pediu a Djanira que entregasse ao herói seu manto ensanguentado, como troféu de caça. Hércules ao vestí-lo morreu abrasado por fortes paixões, as mesmas que atuavam sobre o pobre centauro meio homem, meio cavalo, Nesso.
No segundo giro do Trio, Canto XIII, estão os violentos contra si mesmos, os suicidas transformados em árvores, e os outros, dissipadores, perseguidos e estraçalhados por cães ferozes. “Um ramo então colhi, a mão erguendo, a uma árvore vizinha, que desperta, bradou: Olha o que fazes me ofendendo!” No terceiro giro do sétimo Círculo, Canto XIV, o menor giro de todos (quanto mais profundo menor é o círculo infernal), são punidos os violentos contra a natureza, contra Deus e contra as artes – pervertidos sexuais (sodomitas, muito comuns em Florença àquela época, tanto que os alemães diziam florenchent quando se referiam à prática), e os usurários (chamados por Dante de filhos de Cahors, visto que esta cidade, no interior da França, ficou famosa pela prática contumaz da usura por seus habitantes) – blasfemos, atormentados eternamente por uma chuva de fogo e areia fervente sob os pés. “- assim caía ali do fogo o horror; e a areia ardia, tal a isca fulgura sob o fuzil, dobrando-lhe a dor.” Estes não poderiam parar da andar nunca, pois seriam punidos por castigo pior, seriam derretidos pelo fogo e pela areia quente.