Públio Ovídio Naso (43AC – 17DC)
“C’est un bel esprit, aimable, qui peint avec une certaine subtilité les mauvais moeurs.”
“Presenceantes de uma dramática dèbacle cluidora dos instintos que conformam, subestruturalmente, a nossa sociedade, envolvem-nos a barafundia e os descompassos que desarticulam os princípios basilares que montam a nossa organizatura social. E tudo vemos que se desajusta, como em Roma de Ovídio, esse devasso de peregrino talento, que apurou, em poemas imarcescíveis, os vícios e as corrupções que gafaram a grã-finura latina.
Bojudas de vícios eufóricos, as sociedades decadentes e enfermiças como a nossa, como a de Musset ou a de Ovídio, sacode-as o deboche que ultraja todos os sentimentos, varrendo-os numa onda lodal. Mas, ensinou-nos Spinoza que a Natureza não compactua com os charlatães que a querem sob seu domínio (A natureza e a Vida pouco ou nada têm a ver com as loucuras do Homem dentro da História).
A amoralidade das classes dominantes eram a tônica da poesia de Ovídio. A sua obra é ao mesmo tempo o signo e o instrumento da corrupção moral daquela época.”
(José Perez – Ars Amatoria – Introdução)
“As Metamorfoses”
décimo-quinto livro – (trecho)
“Ah, que maldade introduzir carne em nossa própria carne, engordar nossos corpos glutões
empanzinando-nos com outros corpos, alimentar uma criatura viva com a morte de outra !
No meio de tanta riqueza como a terra, a melhor das mães, provê, nada, na verdade, te satisfaz, a não ser o comportar-se como os ciclopes, que infligem
dolorosos ferimentos com seus dentes cruéis !
Não podes apaziguar o desejo faminto de teu estômago cruel e glutão exceto destruindo outras vidas.
Não tire a vida que você não pode dar. Porque todas as coisas têm um mesmo direito de viver,
Mate criaturas nocivas onde seja pecado salvar; esta é a única prerrogativa que temos;
Mas nutramos a vida com alimento vegetal, e evitemos o gosto sacrílego do sangue.
Abstenhamo-nos, ó mortais,
De corrompermos nossos corpos com alimento tão ímpio!
Há milho para você, maçãs, cujo peso faz vergar
Os galhos entortados; há uvas que enfeitam
Os vinhais, e ervas agradáveis, e verduras
Feitas suaves e macias com o cozinhar; há leite
E mel. A terra é generosa
Com sua provisão e seu sustento
É muito gentil; ela oferece, para suas mesas,
Alimento que não necessita derramamento de sangue e nem assassínio.
Ó boi, quão grande é a sua sobremesa ! Um ser sem traição, inofensivo,
Simples, disposto ao trabalho ! Ingrato e sem valor dos frutos da
Terra é o homem, que seu próprio empregado assassina e golpeia com o
Machado o pescoço de quem tantas vezes renovou para ele o rosto da
Terra dura por tantas colheitas.”
A poesia de Publius Ovidius Naso incluía poemas sobre o amor (Ars Amatoria) um verdadeiro Kama Sutra romano, sobre os mitos (Metamorfoses) e sobre seu sofrimento no exílio (Tristia). Embora não haja evidência de que Ovídio tenha realmente praticado o vegetarianismo, como se poderia supor pela leitura destes excertos, é evidente que ao menos simpatizava com a opinião de Pitágoras.
Nasceu em Sulmão, 43 a.C. e morreu em Tomes, no Ponto Euxino a 17 ou 18 d. C. Iniciou sua carreira como tribuno e em cargos judiciários e políticos, mas sua paixão era a poesia, e dizem que mesmo falando ou escrevendo era-lhe natural que o fizesse em versos. Era filho de família patrícia, rico, por isso abandonou tudo para se dedicar a poesia e às mundanidade de que foi excelente cantor. Sua mocidade foi plena destes exercícios e escreveu Os Amores – Ars Amandi (3 livros) e outros seis livros: as Heroídas e os Cosméticos e os Remédios de Amor, em que a medicina é pior do que a chaga. Embora rico e frequentador do palácio de César Augusto, de quem era amigo e comensal, um dia foi exilado e nunca se soube o porquê.
Ali, no Ponto Euxino, longe de Roma, escreve as lacrimosas e nostálgicas Cartas Pônticas e as Tristes. São queixumes de desespero e pedidos para que os amigos da cidade distante, o deixassem voltar. Mas Augusto foi inflexível e o poeta morreu sem poder voltar à Roma, exalando suspiros doentios de recordação. Ainda vivo, e em Roma, escreveu Medéia, tragédia que ecoou festivamente seu nome; os Fastos , um calendário das glórias de seu imperador, Augusto, a quem adorava (consta que mandou erguer uma capela em seu nome, quando do exílio, para onde ia todas as manhãs adorá-lo), e, considerada a obra que o redime As Metamorfoses – poema alto, de fôlego, precioso como poesia e valioso como panorama da cultura que acumulou o díptico greco-romano.
Neste poema Ovídio tratou do grande tema – o caos e a eterna mudança, antecipando os grandes debates que surigiriam no Século XIX. De alcance estético e filosófico, este poema, o reconduziu, com lauréu, de volta aos píncaros da melhor tradição intelectual, de onde provieram Horácio, Virgílio e Dante. Podemos dividir a sua vida poético/intelectual em 3 ciclos – Elegíaco-amoroso; Épico e por fim Exílio.
Ars Amatoria – A Arte de Amar
trechos selecionados:
Arte etrusca – Moças no Banho
Livro I – “O que tens de fazer é passeares lentamente pelo pórtico de Pompeu, quando o sol bate às costas do leão de Hércules…E também as praças públicas (quem pode crer?) convêm ao amor e a sua chama frequentemente surge no ruidoso Fórum…Mas deves procurar especialmente os recurvados teatros: estes lugares serão para ti os mais férteis.
Ali acharás o que amar, com que divertir-te uma só vez ou manterás um ligação duradoura…Não te afastes também das corridas dos cavalos de raça, o circo, muito frequentemente oferece boas oportunidades…Senta-te perto da mulher, nada te impede, aproxima teu corpo do seu o mais possível…as dimensões do lugar obrigam as pessoas a se apertarem…a moça tem de se deixar tocar.
Trata então de travar conversa e tem o cuidado de fazeres com que as primeiras palavras não passem de lugares-comuns…tudo deve servir de pretexto para teus cuidados…Não confies demais, porém, na enganosa claridade das lâmpadas, a noite e o vinho prejudicam a apreciação da beleza…Todas as mulheres podem ser apanhadas…depende apenas da maneira de colocar as armadilhas…Será mais fácil o cão da Menália voltar às costas a uma lebre, do que uma mulher resistir às delicadas insinuações de um jovem…”
Abaixo página – capa de uma edição, talvez a primeira, vertida para a língua portuguesa, das Metamorfoses de Ovidio, datada de 1841.
Capa da (talvez) primeira edição em língua portuguesa dos poemas de Ovídio. Portugal 1841