No poema, entretanto, é Dante quem se mostra confuso ao ver ali, naquele Céu, as almas das pessoas que tiveram seu voto corrompido pela violência alheia, ao invés das que tiveram seu nascimento influído por aquela estrela (a lua). Daí a sua confusão em relação ao diálogo platônico, que pode ter pretendio ensinar que apenas as influências, boas ou más, é que retornavam às estrelas, de onde provieram, assim como se considera atualmente as influências dos astros sobre as pessoas, na moderna Astrologia. De qualquer forma no próprio texto da Comédia Dante cita o Timeu.
Pode ter-se enganado, e também ao seu tradutor, posto que, reafirmo, no Fédon foi que encontrei a explicação sobre a doutrina da Anamnese da alma. Mas, posso ser eu a cometer tal engano, o que é, seguramente, mais provável. “O que Timeu das almas argumenta difere, pois, do que este céu revela, se é que ele o sente tal como apresenta.” No Canto V, primeiro céu, ainda na Lua, considerada pelo sistema astronômico de Ptolomeu como uma estrela, o quê influencia Dante, Beatriz explica ao poeta a singularidade da natureza do voto religioso, discorrendo sobre o problema de sua troca ou compensação. Ato contínuo sobem ao segundo céu, de Mercúrio, onde se encontram as almas daqueles que praticando o bem foram, de fato, movidos pelo desejo de alcançar a glória e a fama. “Duas coisas distinguem-se na essência do voto: e uma é o dom a ele inerente; das vontades, a outra, a plena anuência.”
“Assim eu vi ali mil esplendores rumando a nós, e sua voz clamava: …”
Paraíso – Canto V ( versos 103/104)
No Canto VI, no segundo céu de Mercúrio, o poeta encontra-se com o imperador romano Justiniano que faz um retrospecto das glórias do antigo Império Romano. Lá estão as almas daqueles que praticaram o bem, visando a conquista da própria fama. No Canto VII, ainda no céu de Mercúrio, Dante sente-se perturbado pelas palavras de Justiniano ante à menção da vingança de Tito, também imperador romano, que mandou destruir Jerusalém por considerá-la culpada pela morte e pela crucifcação de Cristo.
Mas Beatriz o acalma explicando-lhe os procedimentos da razão divina e de sua justiça para a redenção dos homens, falando-lhe da imortalidade da alma e da ressurreição final.
“E a ela não volveria, na verdade – se ponderas o caso com sapiência – senão nos têrmos desta dualidade: ou que Deus o isentasse, por clemência, ou que ele, por si mesmo, penitente, reparo desse à atroz desobediência.” No Canto VIII , Dante não se apercebe, mas com Beatriz ascendem ao terceiro céu, ou céu de Vênus, aonde avistam as almas dos que, sensíveis ao amor físico, lograram obter, contudo, a salvação.
“Não me dei conta da ascensão a ela: mas senti que em sua aura me envolvia ao ver Beatriz tornar-se inda mais bela.” Ali o espírito de um amigo – Carlos Martel – lhe fala sobre a não hereditariedade do caráter das pessoas e sobre o eventual desrespeito, pelos homens, às suas inclinações naturais. “…Eis o princípio, se te fixas nele, de que decorre a vária inclinação…Se volvessem os homens mais a mente ao que a Natura está a lhes mostrar, seguindo-a, tudo fora diferente.” (Bichas no céu?).
Ainda no céu de Vênus, e já no Canto IX, Dante fala com outros dois conhecidos e um deles, um poeta trovador lhe mostra a alma de Raab, uma prostituta bíblica, que na cidade de Jericó abrigou e protegeu os emissários/espiões de Josué e que por isso se redimiu e se salvou. (Livro de Josué – Cap. 2 vs.4). Ao chegar ao quarto céu, ou o céu do Sol, no Canto X, o poeta, que não se apercebera de sua ascensão, pois voavam – ele e Beatriz – rápidos como a luz – “Não percebi como a ele fui alçado, como não se percebe o pensamento antes de o ter a mente formulado.” – avista as almas dos teólogos e vê Tomás de Aquino, que lhe mostra outras onze almas de companheiros ali, os identificando, todos envoltos em uma luz mais viva do que a da própria estrela. “Este, à minha direita, fidedigno mestre me foi e quase irmão, Alberto, lá de Colônia, e eu sou Tomás de Aquino…brilha a seguir, naquela luz menor, o que da fé foi advogado outrora, e de Agostinho teve alto louvor”.