la gente che non vien con noi, offeste
di ciò per che già Cesar, trïunfando,
“Regina” contra sé chiamar s’intese:”
“Vi sombras lentas, pela chama a andar: fitando-as, e meus passos observando…”
Purgatório – Canto XXV – (vs. 124,125)
Ali, naquela plataforma estreita onde os poetas caminham em fila única, rente ao abismo, sofrem os luxuriosose os poetas avançam com medo, procurando se proteger do fogo, de um lado e de uma possível queda, do outro. Chegando ao Canto XXVIencontramos Dante, Virgílio e Estácioainda caminhando pela borda do precipício em torno do sétimo e último terraço do monte Purgatório, e Dante pára para observar detidamente um grupo de almas que caminham em sua direção, em meio ao fogo, e logo após, nota outra turma caminhado em sentido contrário à primeira.
Um grande poeta italiano, chamado Guido Guinizelli, que ali se encontra, explica a Dante que aqueles do primeiro bando são os luxuriosos segundo a natureza; e o outro grupo o dos lascivos contra a natureza, homossexuais ou invertidos, o mesmo pecado de muitos soldados romanos das campanhas das Gálias, também atribuído a Júlio César, o Imperador, a quem seus súditos chamavam Rainha – “Nosso pecado foi o hermafrodito.”
Curiosos, como sempre, as almas questionam Dante sobre o porquê de sua sombra projetada na parede, mas o fazem sem sair de dentro das chamas, pois querem purificar-se, já que o desejo de reparar a sua culpa era maior do que sua curiosidade e afastar-se das chamas era afastar-se do elemento purificador. “Por que vedas o sol, como a parede, como se não tiveras adentrado inda da morte a inextricável rede?” Ainda neste terraço, dos luxuriosos, Dante se encontra com o eminente poeta Arnaut Daniel, o iniciador do estilo provençal – stil novo – que costumava exprimir-se poeticamente no idioma “vulgar” da Langue D’oc, região de Provença na França.
No Canto XXVII, Virgílio se separa de Dante, e explica-lhe que não tem mais condições de guiá-lo dali para a frente, posto que o mesmo já era, finalmente, dono de sua vontade e de sua liberdade. “Bem aventurados os puros de coração”, assim o Anjo que guardava a entrada do sétimo terraço saudou Dante, convidando-o a entrar em meio a uma enorme fogueira que ardia, o que assutou o poeta.
Dante se lembra das almas queimando no Inferno e das pessoas que morrem enterradas vivas, imagina sua dor e sente um frio percorrer-lhe a espinha. Não consegue avançar. Foi novamente Virgílio quem o acalmou – “Esquece o vão temor, deixa a tibieza: move o teu passo firme, entra seguro.” Virgílio lhe diz que apenas as chamas o separam de Beatrize desta forma, instigado por aquele nome que não lhe sai da mente, adentra as chamas. Chegam à entrada da estreita vereda que os levará ao sétimo giro, ao cimo da montanha, onde se localizava o Paraíso terreal. E ali, antes de entrar definitivamente o Anjo apaga o sétimo e último P de sua testa (seguramente isso ocorreu ali, embora no poema Dante não o diga). Logo escurece e eles – Dante, Virgílio e Estácio, ainda juntos, adormecem nos degraus da montanha até o raiar do novo dia, e o poeta sonha com uma mulher lindíssima.
“Em sonho uma mulher me aparecia, indo no campo, flores a colher;…”
Purgatório – Canto XXVVII – (vs. 97,98)
“A quantos me desejam conhecer digo que sou Lia, e para mim são as grinaldas que me vês tecer. Por amor a beleza me orno assim; mas minha irmã Raquel nunca se afasta do espelho d’alma, num mirar sem fim.” Ao amanhecer Virgílio se despede de Dante, embora continue com ele no próximo canto. “Meu filho, o fogo eterno e o temporal já contemplaste, e eis-te chegado à parte que ultrapassar não posso, por meu mal.”
E libera Dante para passear por uma floresta, após dizer-lhe que o último P de sua testa já estava apagado, e que portanto, já dispunha de perfeita consciência e vontade própria. Podia ir só. Dante, sem esperar pelo seu mestre que o acompanhara por todo aquele caminho até então, adentra a floresta e se aprofunda em suas sombras verdes, pássaros cantores e muitas flores, até que para em frente a um pequeno riacho em que se reflete nas águas ora claras, ora túrbidas, a vegetação de sua margem. Subitamente um bela mulher surge à sua frente. “Uma jovem que o passo, além, movia, e cantava, e colhia, ao canto, flores, sozinha, em meio à recamada via”
Curioso, o poeta quer saber quem é e porque está tão radiante, e ela, Matelda, explica as razões daquele lugar, o Paraíso Terreal, da pureza e da divindade daquele paraíso, cujas plantas, ventos, água e demais elementos diferem totalmente dos da terra, posto que são elementos celestiais.
Ali na frente Dante verá dois regatos – o Letes, cujas águas tinham a propriedade de fazer esquecer os pecados daqueles que a bebessem, e como um seu afluente o Eunoé, ou rio da Boa-memória, que fazia o efeito de perenizar a memória das boas ações de quem o bebesse. E ainda, adverte a mulher, o efeito de um só se produziria se da água do outro se bebesse, e seu sabor era insuperável. Assm, satisfeita a curiosidade de Dante, ele olha ainda mais uma vez para Estácio e Virgílio, que lhes dirigem um breve sorriso, ambos satisfeitos com a explicação de Matelda.