No Canto XX a águia – símbolo da justiça e do poder real – continua a lhe falar e refere-se, desta feita, a um número de reis que foram justos e sábios para com seus povos e aponta-lhes as almas daqueles príncipes notabilizados por suas virtudes. “Dócil se mostra o céu à caridade, assim como à esperança, quando é tanta que possa comover a alta vontade,” e explica a Dante que ali nenhuma alma chegou sem ser cristã, ou antes, ter crido no Cristo, e que os gregos Trajano e Rifeu, tidos por todos como pagãos, só lá estão um por rogo direto do papa Gregório* (que muito rezou a Deus pela aceitação de sua alma no céu, para onde de fato vai, depois de ressuscitar e aceitar a fé cristã) e o outro por iluminada graça divina que o inspirou em vida, numa reta conduta, e que mil anos antes admitiu a futura redenção da humanidade por Cristo.
- Dante revela(?) que o homem pode interferir nos desígnios de Deus e em suas escolhas e diretrizes, se orar com fervor?
“O primeiro do inferno aos vãos escuros foi retirado, e ao corpo retornou, por graça concedida a uns rogos puros…Quanto ao outro, por graça rebrotada da fonte de que nunca uma criatura desvendou a nascente abençoada.”
No Canto XXI o poeta é levado ao sétimo céu, de Saturno, onde estão os espíritos contemplativos. Na chegada deste céu Beatriz adverte Dante que não sorrira para não transformá-lo em cinzas, e cita a fábula de Sêmele, que ao ver Júpiter em pessoa não resistiu ao seu encanto e fulgor e transformou-se imediatamente em cinzas. Segundo Dante as almas desciam por uma escada enorme e iluminada e sacudiram as asas se empoleirando como as gralhas ao nascer do sol. Um dos contemplativos, se aproxima e após uma consideração feita pelo poeta, o espírito lhe explica o jeito de estar daquelas almas “Ante suas palavras, prontamente, olvidei a questão, como convinha, e o nome lhe indaguei, humildemente.”
Eu tinha os olhos fixos, novamente, no rosto de Beatriz, a alma embebida, e alheio a tudo em torno inteiramente.
Paraíso – Canto XXI – vs.1,2,3.
Pedro Damião se apresenta – frei Damião, que fora bispo de Óstia e cardeal, e que fora antes Pedro Pecador, monge em Ravena. Ele faz uma censura aos pastores que se desviaram de sua missão apostólica e se acomodaram, entregues aos prazeres da carne – “Mas hoje os grãos pastores conhecidos precisam, para levantar-se, da mão de alguém que os erga à sela, tanto são nutridos.” Estranho, pois se a gula era pecado (um dos 7 capitais). As almas daquele céu então aumentam seu brilho, se reúnem em círculo e entoam um brado tão alto que Dante fica atordoado.
Subindo ao oitavo céu, o das estrelas fixas na constelação de Gêmeos, no Canto XXII, o poeta, ainda tonto, nota que os cânticos não são mais entoados e procura o olhar esclarecedor de Beatriz como uma criança procura o de sua mãe, e ela explica: “Já podes ver por que meu riso e o canto não vibram mais, se a simples grita ouvida te perturbou por esta forma tanto.”
Alude-se a uma provável conversa com São Benedito de Nórcia, fundador da Ordem dos Beneditinos, ele mesmo um contemplativo, embora não se refira nominalmente ao santo no texto poético, em que o santo demonstra toda a sua irritação com seus seguidores e o abandono dos seus ensinamentos “Mas na terra ninguém hoje se importa em ir por ela, e, pois, triste e perdida, nossa norma ficou qual letra morta. Em covil transformou-se a velha ermida, e as cógulas agora, ao que parece, são sacos de farinha apodrecida.”
No Canto XXIII, ainda no oitavo céu, Dante observa que Beatriz tem os olhos voltados fixamente para um lado e sente-se inquieto.
Rapidamente, porém, ela reassume sua altivez e o céu é tomado de claridade intensa e surgem à sua frente o próprio Cristo e sua legião de santos, do novo e velho testamento juntos com Maria, a mãe de Jesus. “Minha dama exclamou – eis a legião do triunfo de Cristo, o fruto opimo que sazona à celeste rotação!” No Canto XXIV Beatriz pede ao apóstolo Pedro, a quem Cristo confiara as chaves da igreja, que questione Dante sobre a fé, e o santo fica admirado com as respostas do poeta.
“É fé, em si, substância do desejo e argumento do bem não aparente; e desta forma é que a concebo e vejo.” Em seguida, no Canto XXV, oitavo céu, o das estrelas fixas, aproxima-se então o apóstolo Tiago que como Pedro tem uma questão a fazer a Dante sobre o que seria a esperança.“…respondi-lhe: É a Esperança o sentimento de uma glória futura e nos advem da graça e do pessoal merecimento.” Surge também João Evangelista que com sua luz ofusca o poeta e explica-lhe que ele, Dante, ali está apenas em espírito e não de corpo presente como se imaginava na terra.