Ruppemi l’ alto sonno ne la testa
un greve truono, si ch’io mi riscossi
com persona ch’è per forza desta
Canto IIII – Ventos fortíssimos e uivantes, e um relâmpago mais forte do que jamais se viu em terra faz com que o poeta perca a consciência e caia como se sobre ele um profundo sono se abatesse. Ao despertar ele se encontra no limbo, que é, a rigor, o primeiro Círculo do Inferno, onde estão as almas das crianças mortas sem batismo e as grandes figuras do paganismo. A visão de Dante era católica cristã e o próprio Virgílio, um pagão, portanto, como todos os romanos até o século III d.C. pertencia a este círculo, bem como Homero, Horácio o sátiro, Ovídio, o poeta das Metamorfoses, e da decadência romana, Lucano entre outros personagens históricos famosos, todos pertenciam ao limbro. Apesar disso Dante se coloca como o sexto mais importante dos poetas greco-romano.(Vs. 94 a 102)”… Assim reunida a bela escola e boa eu vi do mestre altíssimo do canto,…eu era o sexto aos mais ali somando…”
Ovídio
Ainda no Canto IIII lemos: “E o mestre a mim: “…Que é que te dispensa de perguntar quem são os que ora vês? Pois sabe que, se não os mancha ofensa, por igual não lhes valem as mercês; conduzidos não foram ao batismo que é a porta desta fé em que tu crês. Seu tempo antecedeu ao cristianismo, e a Deus não conheceram em seu meio: Um deles sou, vindo do paganismo. Por vício tal e não por erro feio, fomos punidos, e o que mais nos pesa é faltar esperança a nosso anseio…” Num lugar especial do limbo encontram-se nada menos do que todos os grandes pensadores da Antiguidade. Deus lhes destinara este local diferenciado por terem sido, em vida, importantes figuras do pensamento humano, mas o cristianismo não pode trazê-lo para sua esfera de influências, dado que nunca conheceram a palavra nem foram batizados conforme os ritos cristãos.
O poema deixa claro que há uma visível diferenciação, pelo menos de força e caráter temporal que separa os grandes mestres da filosofia que embalaram o conhecimento de Dante e de seus contemporâneos, ao mesmo tempo em que parece nos dizer – este agora é um novo tempo, um tempo cristão, e nele só os cristãos poderão gozar da eternidade – vocês senhores do passado não alcançarão a glória que “eu” alcançarei. Numa afirmação do cristianismo do novo tempo.
Ao verem Virgílio alguns poetas o cumprimentam. Dentre o que lá estão notam-se também os filósofos e pensadores: – Aristóteles, Sócrates, Platão, Demócrito, Diógenes, Empédocles, Heráclito, Zenão, Dioscorides, Tales, Anaxágoras, Orfeu, Sêneca, Euclides, Ptolomeu, Avicena, Hipócrates, Galeno, Averróis, “…Tudo não posso referir a pleno, que a vastidão do tema não consente; nem sempre segue a voz da mente o aceno…” De fato, Dante condena ao Limbo todos os homens que estudara e com quem aprendera e construíra a estrutura de seu pensamento. Note-se, contudo, que como cristão, e por força disso mesmo, afirmação da religião e da religiosidade, não podia admití-los no Paraíso celeste, porquanto eram discrepantes de seu credo religioso. Em troca, no entanto, destinava-lhes este lugar diferenciado do Inferno.
Dentes rilhando em fúria, ali se via Minós, que as culpas mede junto à entrada…
Inferno (Canto V – vs.4 e 5)
Canto V – No Círculo segundo, os poetas alcançam os luxuriosos – réus carnais, fornicadores e que viveram entregues aos prazeres físicos e contatos sexuais exagerados -, atormentados e arrastados eternamente por ventanias. Ali Minós, gigante terrível que habita o Inferno estende sua cauda até o fundo do poço. “A borrasca infernal que nunca assenta, as almas vai mantendo em correria; e voltando, e batendo, as atormenta.” O gigante é uma espécie de porteiro que estuda os crime e pecados de cada um que ali chega e determina-lhes as penas a serem cumpridas pela eternidade.
No Canto VI, já no Círculo terceiro, penam os pecadores por intemperança, os que abusaram da mesa, gulosos, fustigados por uma chuva eterna e dilacerados pelas garras de Cérbero (cão mitológico de três cabeças que guardava, na mitologia grega, a entrada do Hades – o campo dos mortos), aqui, no Inferno poético de Dante, imaginado como sendo metade humano e metade cão.
“Tinha os olhos vermelhos, indecente e suja a barba, e garras aguçadas, com que lanhava os míseros à frente.”
No Canto VII do Círculo quarto sofrem, separadamente, os avaros e os pródigos, rolando pedras enormes e se injuriando mutuamente. Aqueles ressurgirão no dia do Juízo Final com as suas mãos fechadas, gesto que manifesta sua condição, já os pródigos estarão de cabelos raspados, sinal de que desperdiçaram tudo o quanto possuíam, cabelos inclusive. “…Pois que o ouro todo que na terra existe, poder não tem de a paz proporcionar a uma só dentre todas as almas que tu viste…“ Ainda neste Círculo quinto estão os iracundos (os que, não obstante o esplendor da natureza e da própria vida, foram infelizes, pois a ira amargurava seus corações), mergulhados no lago Estige.
O Canto VIII ainda fala do quinto Círculo, e lá estão as portas de Dite, ou a entrada da cidade de Lúcifer, na qual se contêm todos os demais círculos infernais. Sinais de luzes atraem o barqueiro que vem buscar as almas que devem atravessar o lago Estige até aqueles círculos do Inferno. Lá os poetas chegam pela barca de Flégias, que transporta as almas dos mortos pecadores e atravessa o lago lamacento até a outra margem.