Rivalidade no Deus e na Política
AItália dos séculos XV-XVI, na época de Maquiavel (1469-1527), era uma colcha de retalhos onde uma série de cidades-livres como Milão, Veneza, Gênova, Florença, etc. . conviviam com os Estados Pontifícios controlados diretamente pela Igreja. Também foi palco de uma série de invasões estrangeiras que se deram a partir de 1494, ocorrendo até o terrível saque de Roma feito em 1527 por tropas do imperador Carlos V. Internamente, a península italiana estava dividida em principados seculares e religiosos, em várias tiranias e em regimes republicanos comunais-populares, além da histórica rivalidade entre Guelfos e Gibelinos.
No resto da Europa, entretanto, formavam-se monarquias-nacionais poderosas, nas quais os reis, ao contrário do que se passava na Itália, concentravam cada vez mais poder e autoridade, sobrepondo-se à alta nobreza e à influência da Igreja. Havia, pois, múltiplos poderes: o da Igreja Católica, o dos nobres, o das cidades-livres, o dos tiranos, e o dos reis estrangeiros, contribuindo isto tudo para um clima de dilaceramento e perturbação geral, fazendo com que tal situação trouxesse muitos padecimentos à Itália. É de se supor que a longa descrição que Dante fez do Inferno na sua Comédia (aparecida entre 1313-1316) tenha sido o resultado poético/crítico do seu desgosto com a situação em que sua amada península se encontrava.
Entre os séculos II a.C. e V d.C. as tribos germânicas e celtas estiveram em contato com os romanos que controlavam o sul e o oeste da Europa e tentaram sem êxito estender seu domínio até o rio Elba. A fronteira se manteve nos rios Rin e Danúbio, onde erigiram os limes (linha de fortificações)*. Nos séculos IV e V os hunos assolaram o território a partir da Ásia e os ostrogodos, visigodos, vândalos, francos, lombardos e outras tribos germânicas invadiram o Império romano.
No final do século V, o chefe dos francos, Clodoveu I, derrotou aos romanos e estabeleceu um reino que englobava a maior parte da Galia e o sudeste da Alemanha. Seu trabalho continuou no século VIII por Carlos Magno, que anexou o sul da Alemanha e submeteu os saxões. O Império carolíngio não sobreviveu e depois da morte de Carlos Magno foi dividido entre seus três netos (ver Tratado de Verdun de 843).
Depois da morte do último monarca carolíngio, Oto I o Grande foi o primeiro rei saxão fortemente decidido a criar uma monarquia centralizada. Outorgou privilégios territoriais à Igreja, defendeu seu reino dos ataques exteriores e invadiu a Itália duas vezes. Durante 100 anos (1024-1125) os reis da Germânia foram eleitos entre os francos que reinavam no ducado da Franconia. Os reis sálicos levaram o império ao seu ponto culminante.
Conrado II, o Sálico foi o primeiro rei indiscutível da Alemanha. Foi sucedido pelo seu filho Henrique III, o Negro, que obrigou o duque da Boêmia a reconhecer sua autoridade. Aos seis anos de idade, Henrique IV sucedeu a seu pai e durante a regência, sua mãe, Inês de Poitiers, se viu obrigada a ceder a maior parte do território real. Henrique IV tentou recuperar a perda do poder imperial o que provocou a rebelião dos saxões.
O resultado foi uma guerra civil de quase 20 anos. Henrique marchou sobre Roma, instalou o antipapa Clemente III e foi coroado imperador em 1084. Finalmente, traído e feito prisioneiro por seu filho (Henrique V), viu-se obrigado a abdicar. Henrique V continuou inutilmente as lutas de seu pai por manter a supremacia sobre a Igreja. Perdeu o controle da Polônia, Hungria e Boêmia. A questão das investiduras terminou com a Concordata de Worms (1122), que estipulou que as nomeações episcopais teriam lugar perante a presença imperial sem simonia e o imperador investiria o candidato com os símbolos de seu cargo temporal antes que um bispo o fizesse com os símbolos espirituais.
*comentários: –referência histórica por aproximação ver filme Gladiador (Dir. Ridley Scott).
Guelfos e Gibelinos
Nos séculos XII e XIII a Alemanha e a Itália estiveram imersas na rivalidade existente entre duas famílias principescas: os Hohenstaufen da Suábia, denominados gibelinos na Itália, e os Welfs da Baviera e da Saxônia, conhecidos como guelfos na Itália. ( O signori Belincioni, pai de Dante, era funcionário da corte guelfa.)
Com a morte de Henrique V os príncipes elegeram imperador a Lotario II, duque da Saxônia, que tentou converter e dominar ao leste. Depois de seu falecimento, os príncipes elegeram Conrad Von Hohenstaufen, duque da Suábia e a guerra civil explodiu novamente (guelfos X gibelinos); enquanto, Conrado III dirigia a desafortunada Segunda Cruzada, que se desenvolveu de forma paralela ao conflito guelfo-gibelino na Itália. A segunda Cruzada é o episódio da morte de Cacciaguida, avô de Dante Alighieri, marco possível da análise genealógica do poeta.
Frederico I Barba-Roxa assumiu o título de imperador do Sacro Império Romano. Unificou a Alemanha e a Borgonha, declarou uma paz imperial e submeteu os guelfos.
Henrique VI quis ampliar seus domínios. Para assegurar a paz na Alemanha, reprimiu uma rebelião, invadiu as cidades do norte da Itália, conquistou a Sicília e tentou criar um império no Mediterrâneo que se desmembrou rapidamente. Seu filho, Frederico II, herdou a Sicília, mas a Itália Setentrional reafirmou sua independência, conservando a Sicília. Para conseguir o apoio alemão em suas campanhas na Itália Setentrional, permitiu aos príncipes ser donos absolutos em seus próprios territórios. Conquistou os principais lugares cristãos da Terra Santa e depois das guerras com a Liga Lombarda tomou os Estados Pontifícios.
O filho mais novo de Frederico herdou a Sicília e o título imperial, mas a Itália e a Alemanha nunca mais se uniram. Os papas – Nicolau III e Bonifácio VIII são citados por Dante em sua Comédia – eram-lhe contemporâneos – , aliados aos franceses, expulsaram os Hohenstaufen da Sicília. Nota-se, contudo, na história recente, uma renovável aliança diplomática entre os dois países desde 1945 na aliança nazista-fascista (Hitler e Mussolinni) e na simbólica escuderia Ferrari de automobilismo, onde os principais pilotos são alemães.
A Alemanha sofreu a desordem do Gran Interregnum (1254-1273), durante o qual os inumeráveis estados em que estava dividida protagonizaram uma anarquia geral. No final do século XIII, o Império havia perdido a Polônia, a Hungria e o controle efetivo da Borgonha e da Itália. Dentro de suas fronteiras, os principados eram praticamente autônomos.
No labirinto do poder
A luta entre “os cães e os pastores” (ver o filme O Nome da Rosa)
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“…A exploração do povo leva, muitas vezes, os exploradores a lutarem entre si. Pastores e cães, clérigos e nobres, se engalfinham porque querem auferir para si maiores proveitos da lã, da carne e do leite das ovelhas.
A luta entre Igreja e o Estado, entre o Papado e o Império, entre guelfos e gibelinos aparece no fundo de quadro nos acontecimentos da Abadia, isto é, na História do mundo.
Com efeito, a Abadia seria o lugar de encontro dos embaixadores do Imperador Luís da Baviera com os do Papa João XXII. Frei Guilherme de Baskerville fora enviado antecipadamente ao local, a fim de preparar e organizar esse encontro dos embaixadores dois homens mais poderosos da Idade Média : o Papa e o Imperador.
Nessa época, a luta entre esses dois poderes foi fruto de duas concepções opostas da sociedade. De um lado, a posição católica, consubstanciada na bula Unam Sanctam de Bonifácio VIII. De outro, a concepção imperial, laicista e estatista, representada pelas teorias de Marsílio de Pádua. Guelfos e gibelinos eram os partidos que, de certa forma, estendiam essa luta às vicissitudes políticas das cidades italianas do medievo.
De acordo com a bula Unam Sanctam, Cristo deu a Pedro duas espadas: a espiritual e a temporal. A primeira para ser usada por Pedro, isto é, pela Igreja. A segunda para ser usada pelo Estado, para bem da Igreja. O poder do Estado é ordenado e subordinado ao poder eclesiástico, pois que as atividades naturais do homem são subordinadas a seu fim último, que é Deus e a salvação eterna. Para Bonifácio VIII, imaginar dois poderes – o eclesiástico e o civil- em paralelo seria pretender que tudo estaria fundado em dois princípios, como defendiam os maniqueus e os cátaros. Assim como no homem a alma deve estar unida ao corpo e é superior a ele e o dirige, assim também, na sociedade, a Igreja e o Estado devem estar unidos, mas de tal forma que a Igreja esteja em situação de superioridade.
Da mesma forma que a supremacia da alma sobre o corpo não significa que ela vá exercer funções próprias do corpo, assim também, na sociedade, embora a Igreja tenha a suprema direção, isto não faz com que ela tenha o direito de exercer as funções temporais próprias do Estado. Embora a alma vivifique o corpo, não cabe a ela digerir nem respirar. Do mesmo modo, a Igreja vivifica a sociedade e o Estado, mas não lhe cabe organizar a vida material nem a administração das coisas terrenas e temporais. Disso deveria se apartar. Tais princípios provinham de estados feitos a partir de Aristóteles e Platão.
Em consonância desses princípios, Bonifácio VIII concluía a bula Unam Sanctam definindo: “Assim toda criatura humana deve ser submissa ao Romano Pontífice, e Nós declaramos, dizemos, definimos que esta submissão é absolutamente necessária para a salvação”. (Denziger-Schönmetzer, 875). Portanto, esta definição solene subordina todos os soberanos ao Papa em matéria religiosa. Mas, só em matéria religiosa? Teses extremamente opostas foram defendidas por Marsílio de Pádua e Jean de Jandun. Ambos apoiaram a luta de Luís da Baviera e a dos Espirituais franciscanos contra o Papa João XXII. As principais teses de Marsílio de Pádua são :
1- Supremacia do Estado sobre a Igreja. Ao Estado caberia até mesmo a jurisdição espiritual, podendo condenar hereges e infiéis. Um exagero, convenhamos.
2 – O Papa deveria pagar tributo ao Imperador.
3 – A Igreja deveria ser pobre e sem propriedades (Tese cara aos gibelinos e Fraticelli) e todos os seus bens deviam reverter ao Estado. E porque não?
4 – Todo poder – civil ou eclesiástico vem do povo. Análise, em última instância, cara a Aristóteles e Platão em sua definição de Democracia.
5 – Cristo não deu poder a Pedro mais do que aos outros apóstolos, (Tese caríssima e considerada herética que enamorou o Vaticano II). Ele não fez de Pedro o seu Vigário, nem o chefe da Igreja, idéia que Lutero e toda Reforma vão repetir.
6 – Na Igreja não deve haver hierarquia. Papa, Bispos, Padres têm igual poder, porque Cristo não deu maior poder a ninguém. Todo poder na Igreja é concessão do Imperador, que pode depor e julgar qualquer autoridade eclesiástica, inclusive o Papa. (Cfr. Denziguer- S, 495-500).
Como se vê, não poderia haver maior oposição entre duas doutrinas. A primeira situaria o fim da sociedade em Deus e no céu; a outra punha como fim de tudo o homem e seu reino na terra. Uma queria uma Igreja monárquica, hierárquica e de poder divino; outra queria uma igreja democrática, igualitária, pobre e popular.
No livro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, o Frei Guilherme de Baskerville (interpretado no cinema em filme homônimo pelo escocês Sean Conery – o mesmo de 007 – James Bond) é um porta-voz diplomático das teses de Marsílio de Pádua e de Jean de Jandun – na conferência dos embaixadores imperiais e papais. Como Marsílio de Pádua, ele defende uma nítida separação entre Igreja e Estado: “…a legislação sobre as coisas deste mundo e, portanto, sobre as coisas das cidades e dos reinos, não tem nada a ver com a custódia e a administração da palavra divina, privilégio inalienável da hierarquia eclesiástica”(R.403). “O domínio temporal e a jurisdição secular não tem nada a ver com a Igreja e com a lei de Jesus Cristo, e foram ordenados por Deus fora de qualquer aprovação eclesiástica e antes mesmo que surgisse nossa santa religião.”(R.404).
Por isso, o Papa não deveria ter nenhum poder coercitivo. “Ele (Cristo) não quis que os apóstolos tivessem comando e domínio, e por isso parecia coisa sábia que os sucessores dos apóstolos devessem ser aliviados de qualquer poder mundano e coativo”(R.404). Sem poder negar o texto de Evangelho, no qual Cristo estabeleceu Pedro como pedra fundamental da Igreja, e, por isso, lhe dá o poder das chaves, Frei Guilherme explica que Cristo “brincava com as palavras” ao dizer “Tu és Petrus”(R.161). Eco, em seu palimpsesto, faz seu investigador nominalista explicitamente defender a tese gibelina, quando diz que “a Igreja de Avignon injuriava a humanidade inteira asseverando que lhe cabia aprovar ou suspender aquele que fora eleito Imperador dos romanos. O Papa não tem sobre o Império direitos maiores que sobre as outras coisas “(R. 405-406).
Pelo contrário, o Imperador é que deveria ter poder não só sobre o Papa, como sobre todos os clérigos: “Se o Pontífice romano, os bispos e os padres não fossem submetidos ao poder mundano e coativo do príncipe, a autoridade do príncipe seria anulada, e anular-se-ia com isso uma ordem que, como se tinha demonstrado antes, fora disposta por Deus”(R.404). Até o poder de julgar em matéria religiosa acabava sendo negado pelo Frei Guilherme de BAskerville com palavras e razões que lembram o Vaticano II na Declaração Dignitatis Humanae. “A Igreja pode e deve advertir o herege que ele está saindo da comunidade dos fiéis, mas não pode julgá-lo na terra e obrigá-lo contra a sua vontade”(R.405).
Se a Igreja não pode julgar o homem por questões religiosas, muito menos o pode o Estado, pois o Príncipe não é guardião da verdade divina. No máximo, poderá condenar o herege, caso “prejudique a convivência de todos“(R.404-405). Frei Guilherme defende a tese segundo a qual o poder vem do povo e atribui essa idéia liberal ao próprio Cristo.“Era de se imaginar que ao próprio Senhor não fosse estranha a idéia de que nas coisas terrenas o povo seria legislador e causa primeira e efetiva da lei”(R.403). E, “por povo… seria bom entender a universalidade dos cidadãos ou (…) a melhor parte dos cidadãos”(R.402). “O modo em que o povo poderia exprimir a sua vontade podia coincidir com uma assembléia geral eletiva. Disse parecer-lhe sensato que uma tal assembléia pudesse interpretar, medir ou suspender a lei“(R.402). O que retirava da lei todo fundamento natural, sujeitando-a ao relativismo da opinião da maioria. Era já o Direito positivista triunfando sobre o Direito natural… Não há dúvida que essas teses do medieval Frei Guilherme soam muito atuais.
Na luta entre o Estado e a Igreja intervinham também os hereges gnósticos. Eles rejeitavam a matéria e, portanto repudiavam a Igreja estruturada, hierárquica e rica. Condenando de modo absoluto o mundo criado pelo demiurgo, eles não podiam aceitar uma Igreja, como a concebida e definida por Bonifácio VIII, que pretendia submeter o mundo, o Estado e a sociedade a fim de guiá-los para Deus. Os místicos gnósticos defendiam em conseqüência a idéia de que a Igreja verdadeira deveria ser puramente espiritual.
Estes pontos os ligam às teses gibelinas e laicas de Marsílio de Pádua. É por isso que os Espirituais franciscanos, os Fraticelli e os Dolcinianos (no filme O Nome da Rosa Eco faz menção a esta estirpe de contendores religiosos quando o cúria demente sai-lhes gritando o nome durante breve encontro com o jovem Adso de Melk em uma tumba escura e cheia de gárgulas) viram em Frederico II, o meio escolhido por Deus para destruir a Igreja-Babilônia, e, depois, se aliaram a Luís da Baviera para tentar depor João XXII.
No campo político-social, porém, os místicos gnósticos divergiam dos gibelinos racionalistas. Eles não queriam um império super organizado. Não queriam o reino do Imperador neste mundo. Sonhavam com um Reino de Deus quiliástico e espiritualizado, sem lei, sem propriedade e sem qualquer desigualdade, regido pelo Amor.
Tais divergências não impediam que os Espirituais anti-racionalistas, como Ubertino de Casale, se unissem a seu confrade Guilherme de Ockham e ao legista Marsílio de Pádua em seu apoio ao Imperador. Era o ódio ao papado e à sua concepção da Cristandade que os unia.
A luta entre Igreja e Estado é descrita por Eco de modo caricato na conferência entre os embaixadores do Papa e do Imperador, que se realiza na Abadia. Os embaixadores dos dois partidos não raciocinam logicamente. Usam sofismas ridículos. Ofendem-se de modo grotesco e acabam por se agarrar pela barbas e cabelos como mulheres histéricas. É numa cena de comédia-pastelão, sem nenhuma elevação, que a Igreja e Estado se engalfinham para disputar a supremacia.
Nessa luta o Imperador conta com a aliança dos franciscanos racionalistas e também com a dos místicos cujas teses, se vitoriosas, levariam à eliminação do poder papal. Por sua vez, o papado utiliza os poderes inquisitoriais para eliminar – diz o romance de Eco – os defensores das teses laicistas que os Espirituais e Dolcinianos introduziam na Igreja, para deste modo anular a manobra dos imperiais.
Portanto, o Império tentava vencer a Igreja, introduzindo nela as teses gibelinas. Um Papa fraticello daria a vitória ao Estado moderno, laico e totalitário. E, quando Luís II da Baviera não conseguiu isso, criou um anti-papa na pessoa de Pedro de Corbara. (Nicolau V). O labirinto no qual pastores e cães se engalfinham se abre então para um novo emaranhado de caminhos, qual seja o da luta pelo controle da política eclesiástica. Vislumbra-se então um novo labirinto: o da luta pelo poder dentro da Abadia, isto é, dentro da Igreja.
Eco introduz o leitor nesse novo labirinto ao fazer o monge Aymaro de Alexandria relacionar os crimes ocorridos na Abadia ao fato de que “alguém não deseja que os monges decidam aonde ir, o que fazer e o que ler” (R.152). E esse alguém controla a Abadia e seu abade, isto é, a Igreja e o Papa.(Cfr. R. 150-151).”
Vimos que a Abadia representa o mundo controlado pela Igreja e que seus acontecimentos simbolizam os fatos da História. A luta pelo poder entre Igreja e Estado nos conduziu à constatação de que o Estado tentou dominar a Igreja, quer diretamente pela força, quer pelo favorecimento ou introdução de movimentos heréticos dentro do corpo eclesiástico. No decorrer da História, o uso dessas duas táticas tem se alternado.
Ainda nos séculos mais recentes, a Revolução Francesa tentou destruir a Igreja pela guilhotina. A Constituição Civil do Clero foi o fundamento legal para obrigar os Bispos e os católicos franceses a se separarem do Papa. O culto católico foi proibido. Os conventos foram fechados. Claro, em nome da Liberdade e da Fraternidade. Quem permanecesse fiel a Roma era guilhotinado. As tropas revolucionárias tomaram Roma e prenderam o Papa Pio VI – por derisão chamado de Pio, o Último- e o fizeram morrer em Valence.
Napoleão sugeriu e aplicou uma nova tática. Já que a força da Igreja estava na adesão firme dos católicos e dos Bispos ao Papa – adesão tão forte que nem a guilhotina pudera cortar- ao invés de tentar separá-los, era mais inteligente usar essa mesma força para vencer a Igreja. Era mais conveniente usar o Papa, para. através da obediência fiel que os católicos lhe tinham, levar os cristãos a aceitar os princípios da Revolução. Dever-se-ia levar o Papa a defender a Revolução, e então os católicos, obedientes à autoridade de Pedro, seriam levados a aceitar os ideais anti-cristãos da Revolução Francesa pela própria força que deveria condená-los. Foi o que fez Napoleão.
A Revolução favoreceu a eleição de um Papa fraco, que demostrara certas tendências favoráveis a ela e uma certa simpatia pelos idéias liberais. O eleito foi o Bispo de Ímola, Barnabé Chiaramonti, que tomou o nome de Pio VII.
Foi ele um Pontífice pusilânime que se deixou dominar pelo Imperador corso. Consentiu até em sagrar em Notre Dame o usurpador que acabara de manchar de sangue suas mãos, ao ordenar o rapto e o fuzilamento do Duque d’Enghien. Mais tarde, quando o Papa tentou resistir a Napoleão, este o prendeu e o obrigou a assinar um acordo desonroso para a Igreja, em Fontainebleau, em 1813. Após essa capitulação infame, Pio VII, reconhecendo que agira contra seu dever apostólico, ficou três dias sem rezar Missa e sem comungar, tão atormentado estava por sua consciência. Depois, declarou nula a Concordata que assinara, dizendo-a extorquida por Napoleão. Em Roma, porém, escrevia-se nos muros:
“Pio VI, per non perder la Fede, perse la Sede.“
O plano napoleônico de controlar a Igreja dominando um Papa, foi retomado e aperfeiçoado pelos carbonários ainda no século XIX. Eles imaginaram eleger um de seus elementos ao sólio de Pedro. Foi o que revelaram os documentos da Alta Venda capturados em 1848, em Roma, e publicados por Crétineau-Joly, com permissão de Pio IX. (Cfr. D. Boaventura Kloppenburg, A maçonaria no Brasil, Vozes, Petrópolis, 1957,pp. 306 e ss.).
Ainda mais recentemente, os Modernistas planejaram fazer o mesmo, conforme se vê nas obras de Fogazaro e na Encíclica Pascendi de São Pio X. E muitos, hoje sustentam a tese de que o plano Modernista alcançou sua meta com a eleição de João XXIII e que foi levado a sua plena execução nos pontificados de Paulo VI e de João Paulo II. Aliás, a conhecida e insuspeita revista Trinta Dias, muito ligada ao Cardeal Ratzinger e ao Vaticano, publicou que a eleição de Paulo VI para o papado foi feita antecipadamente numa reunião de Cardeais, em Grottaferratta, na casa de Umberto Ortolani, alto prócer mação, ligado à famosa Loja P-2. (Cfr Andrea Tornelli, artigo Almoço na mansão Ortolani,, Trinta Dias, São Paulo, ano VII, n.3, março de 1993, pp. 46-50).
Não é então de espantar que o Concílio Vaticano II tenha realizado e posto em execução as reformas preconizadas pelos hereges Modernistas. Foi do Vaticano II que nasceu uma Nova Igreja oposta à Igreja Católica Apostólica Romana. Essa Nova Igreja, sem dogmas, evolutiva, ecumênica, igualitária e humanista, abriu-se ao mundo e à civilização moderna, aceitando até o socialismo. Essa Nova Igreja Conciliar se mostra sedenta de coisas novas (Rerum novarum semel excitata cupidine), tal como a Igreja desejada pelos hereges medievais, defendida por Eco através da boca de Frei Guilherme de Baskerville.
É uma tentativa de dominar a Igreja por dentro que Eco descreve em O Nome da Rosa.
Na época em que transcorre o romance, o papado era disputado por várias facções políticas e religiosas. Guelfos e Gibelinos, Zelantes e Espirituais, Fraticelli e Irmãos do Livre Espírito, italianos, franceses e imperiais procuravam eleger um Papa que os favorecesse.
“Uma Abadia é sempre um lugar onde os monges estão em luta entre si para se apoderar do governo da comunidade”, diz Frei Guilherme ao jovem Adso de Melk. (R.152).
Assim também na Igreja. Por ocasião das vacâncias, os Cardeais se digladiam, organizando-se em partidos opostos a fim de obter o supremo posto da Hierarquia para um candidato de seu grupo político ou religioso.
Vimos que, de modo muito sugestivo, Eco deu a seu abade o nome de Abbone, palavra que parece o aumentativo, em italiano, da palavra aramaica Abba, pai. Abbone seria o grande pai, isto é, o Papa.
Ora, no ano de 1327, – data dos eventos da Abadia – a Igreja estava em grande crise. O papado fora transferido à força para Avignon. O rei da França, Felipe IV, o belo, fizera seu ministro Nogaret, ajudado por Sciarra Colonna, prender o Papa Bonifácio VIII. Por ocasião desse ato, o Papa fora ultrajado, morrendo pouco tempo depois. Seu sucessor, Bento XII, teve morte tão misteriosa que, logo se disse, fora envenenado por ordem do Rei da França.
Os Cardeais escolheram então como Papa um amigo do Rei francês. Foi eleito o Arcebispo de Bordéus, Bertrand de Gott, que tomou o nome de Clemente V. Era um homem corrupto e fraco. Ele transferiu a Sé Apostólica de Roma para Avignon, entregando-se ao protetorado, mais que suspeito, do Rei da França.
Quando da coroação de Clemente V, deu-se um fato simbólico: durante o cortejo, uma muralha ruiu, causando a morte de várias pessoas. No tumulto conseqüente, a coroa papal caiu da cabeça do Papa e rolou na sarjeta…
Em Avignon, vários pontífices se sucederam na Cátedra de Pedro. Roma caiu em ruínas e se viu nela proclamar uma república. O papado perdeu prestígio. Alemães e ingleses tinham dificuldade em acatar as ordens e decisões de um Papa que agia quase como capelão do rei da França. Coincidentemente, Alemanha e Inglaterra virão a ser os primeiros centros a aderir à revolta protestante contra o Papa, dois séculos depois.
De nada adiantou estarem cheias de ouro as arcas do Papa em Avignon: um prisioneiro coberto de ouro e de jóias continua a ser um prisioneiro.
O desprestígio do papado favoreceu o aparecimento de inúmeras heresias e movimentos sectários. Espirituais, Fraticelli, Patarinos, Arnaldistas, Dolcinianos ou Pseudo-Apóstolos, Begardos, Irmãos do Livre espírito, Flagelantes, fizeram o mundo parecer um hospício. O Papa João XXII – o francês Jacques de Cahors, famoso por sua habilidade financeira e por sua simpatia pela Alquimia – foi enérgico no combate a essas heresias. Ele condenou os Espirituais, os Fraticelli e os Beguinos, qualificando de heréticas suas teses sobre a pobreza absoluta de Cristo e dos Apóstolos. Processou e condenou Mestre Eckhart por suas idéias gnósticas, e Guilherme de Ockham, Marsílio de Pádua e Jean de Jundun, por suas teses anti-papais e heréticas.
À crise do papado e da Igreja se acrescentava então a crise provocada pela nova situação social e econômica nascida do florescimento urbano. Com o crescimento das cidades e do comércio, nascia uma nova classe, a burguesia, e um novo valor, o dinheiro. A economia medieval começou a perder seu tônus exclusivamente agrícola. Os laços feudais se afrouxaram. O poder do Estado cresceu. As monarquias se centralizaram. A vida cultural começou a se deslocar das abadias rurais para os centros urbanos, onde se desenvolveram as Universidades. A língua vernácula começou a disputar ao latim o primado cultural.
É parte desse quadro de mudanças que Eco descreve através das palavras do monge italiano Aymaro de Alessandria, cujas críticas ao governo da Abadia são válidas também para a situação da Igreja e do mundo de então.
“Então, já vos habituastes a esta espelunca de dementes? “pergunta ele a Frei Guilherme (R.150), falando ambiguamente da situação da Abadia e da Igreja Católica. A Abadia – a Igreja- fora, no passado, um centro de santos e de sábios, “quando os Abades eram Abades e os Bibliotecários, Bibliotecários.”(R.150). Isto é, quando havia Papas que atuavam como santos, e Cardeais sábios eram incumbidos da missão de zelar pela Doutrina da Fé (Bibliotecários). Ele, que era italiano, lamentava que a Abadia – a Igreja- e a Biblioteca – o saber, a doutrina da Igreja- por culpa do Abade, isto é, do Papa, tivessem caído nas mãos de estrangeiros ineptos e corruptos.
O Abade é culpado, diz Aymaro, “porque pôs a biblioteca em mãos de estrangeiros e conduz a Abadia como uma cidadela erigida em defesa da biblioteca. Uma abadia beneditina nesta plaga italiana deveria ser um lugar onde os italianos decidem os assuntos italianos. O que estão fazendo os italianos hoje que não têm mais sequer um Papa?”(R.150).
Aymaro mostra então que enquanto as cidades passam a ter as decisões graças ao controle do comércio, a Abadia (a Igreja) continuava “colhendo milho e criando galinhas”(R.150), isto é, mantinha-se na economia agrícola enquanto o mundo passava para uma economia comercial, mercantilista ou pré-capitalista. Desse modo, até o controle da cultura passaria para as cidades, coisa, aliás, que já estava ocorrendo.
Quando, porém, Frei Guilherme observa que, em concreto, naquela Abadia o abade era italiano, Aymaro lhe retruca que “o Abade aqui pouco conta. No lugar da cabeça tem um armário de biblioteca. Está carunchado (…). Deixa que a Abadia seja invadida por Fraticelli (…). Sua “indulgência para as coisas do século só é reconhecível quando se trata de permitir aos germânicos…”E Aymaro conclui as reticências maliciosas aludindo aos casos de homossexualismo acontecidos na abadia (Cfr. R.151).
Em síntese, Aymaro acusava o Abade:
1 – de ter entregue a Biblioteca – o encargo de guardar a Doutrina da Fé – a estrangeiros e não a um italiano;
2 – de conduzir a Abadia como se fosse uma cidadela em defesa da Biblioteca;
3 – de ter permitido a perda do controle da sociedade para o novo poder emergente: as cidades com sua nova arma, o dinheiro;
4 – de ter consentido na infiltração de elementos heréticos na Abadia;
5 – de tolerar a prática de vícios contra a natureza na Abadia.
Tudo isto havia conduzido a Abadia – não esqueçamos, a Igreja Católica – a uma grande decadência, tanto mais que aos erros e fraquezas do Abade se acrescentavam os erros e pecados de seus monges. “Os seus monges não se satisfazem mais no santo ofício -[no Santo Ofício! Hoje, Congregação da Doutrina da Fé]- da cópia [da tradição], queriam eles também produzir novos complementos da natureza, impelidos pela CUPIDEZ DAS COISAS NOVAS” (R.217. Sublinhado e maiúsculas são nossas).
De novo. “RERUM NOVARUM ex semel excitata cupiditate”! São as próprias palavras que iniciam e intitulam a famosa encíclica de Leão XIII ! Pela segunda vez Eco as cita, criando um paralelo entre a situação da Abadia, isto é, da Igreja no final da Idade Média e a situação da Igreja no início da crise de nossos tempos.
Conforme Leão XIII, fora a “cupidez de coisas novas” que levara a sociedade ao socialismo e ao comunismo. Por que Eco usa as próprias palavras de Leão XIII para explicar a causa da decadência da Abadia na Idade Média ?
Na crítica de Aymaro ao Abade Abbone, Eco sintetiza as acusações de uma ala eclesiástica liderada por Cardeais italianos aos Papas de Avignon. Mas, a citação das palavras iniciais da Rerum Novarum transporta o problema para tempos muito mais recentes. Haveria, nas críticas, alusões a outros Papas não medievais ?
Se isto fosse verdade, crendo ou não Eco em sua alegoria, mesmo que estivesse ele brincando de semiótica, a que Papa italiano, fraco e mais recente teria querido ele aludir com seu jogo de palavras? Qual é o Papa representado pela figura de Abbone?
É bem possível que Eco tenha desejado que Abbone semioticamente representasse vários papas medievais ou atuais.
Por exemplo, poderia ter desejado representar o medieval, italiano e politicamente fraco, embora santo, Celestino IV [S. Pedro Celestino]. Este Papa, apesar de ser muito virtuoso, teve um pontificado desastroso por ter permitido uma larga difusão e infiltração das heresias dos Espirituais e Fraticelli na Igreja. Ele mesmo compreendeu que não tinha capacidade para ser Papa e humildemente renunciou ao papado. Com sua renúncia, os gibelinos ficaram muito prejudicados, o que levou Dante Aighieri a colocar esse Papa no Limbo como líder de todos os neutros, indecisos e vis, dizendo dele “colui che per viltà fecce il gran rifiutto” [“Aquele que por vileza fez a grande renúncia” (Dante, La Divina Commedia, Inferno, III, vs. 59-60).
Mas, em contrapartida, este Pontífice não pode ser acusado de conduzir os negócios da Igreja como se ela fosse uma cidadela posta em defesa da doutrina apenas. Foi exatamente isto que ele não fez.
Esta última acusação caberia muito mais a Bonifácio VIII, sucessor de Celestino IV. Porém, Bonifácio VIII jamais entregou a guarda da Biblioteca da Igreja a estrangeiros, particularmente a alemães. A não ser que se queira entender que a concepção da Igreja-fortaleza da verdade assediada por hereges, propugnada por Bonifácio VIII, é que acabou por causar, indireta e involuntariamente, a transferência da Sé apostólica de Roma para Avignon, com o seu conseqüente domínio pelos franceses.
Representaria Abbone o Papa João XXII que regia a Igreja no tempo em que transcorrem os fatos do romance? Parece-nos evidente que não. João XXII não foi nada fraco, e, ademais, seria um contra senso um personagem de um livro representar outro personagem do mesmo livro. Parece então que Abbone simboliza um Papa recente.
Há outro ponto curioso e intrigante colocado por Eco. Ele faz Frei Guilherme explicar que Aymaro desejaria que a Abadia – a Igreja- voltasse a ter a decisão nas questões do mundo, recuperando o poder cultural, político e econômico que ela estava perdendo para as cidades. Aymaro queria uma Igreja rica e politicamente poderosa. Nesse sentido, Aymaro deveria ficar muito contente com os Papas italianos do Renascimento, embora eles não fossem nada santos, nem preocupados com a defesa da Biblioteca da Igreja… É, entretanto, a esse monge ambicioso de poder temporal, político e econômico, a esse monge “sedento das coisas novas” pelo menos no campo econômico, que Frei Guilherme-Eco chama de tradicionalista.
“Aymaro quer que se volte à tradição. Só que a vida do rebanho mudou, e a Abadia pode voltar à tradição [à sua glória e poder de antigamente] somente se aceitar o novo costume do rebanho, tornando-se diferente. E uma vez que aqui hoje se domina o rebanho não com armas ou com esplendor dos ritos, mas com o controle do dinheiro, Aymaro quer que a fábrica inteira da Abadia, e a própria biblioteca se tornem opifício e fábrica de dinheiro”(R. 153. O sublinhado é nosso).
Estranho tradicionalismo o de Aymaro… Mas, por estranho que seja esse tradicionalismo, as palavras de Frei Guilherme que nós sublinhamos trazem à tela a pessoa de Monsenhor Lefèbvre. O famoso Bispo tradicionalista que fundou o movimento de Ècone também “quer(ia) que se voltasse à tradição” sem considerar – é o que dizem seus inimigos, os defensores do Vaticano II- que a vida do rebanho mudou”. Dom Lefèbvre se opôs ao Vaticano II que, para recuperar para a Igreja o poder e a glória de antigamente, procurou aceitar “o novo costume do rebanho”, criando uma Igreja “diferente”.
Estas coincidências e a misteriosa citação das palavras da Rerum Novarum trazem para nossos dias a simbologia utilizada por Eco através de suas máscaras. Isto é feito seriamente ou apenas, como jogo semiótico para excitar as imaginações, como Eco fez no caso de Conan Doyle e de Sherlock Holmes ?
De qualquer modo, considerando-se a hipótese insinuada, ainda que por jogo, é lícito perguntar-se a que Papa Eco quis aludir. Qual o Papa, recente e fraco, que pretendeu fazer da Igreja uma fortaleza apenas ocupada na defesa da doutrina, mas que permitiu que ela fosse invadida por hereges modernistas e que, afinal, entregou o controle da Biblioteca, não a italianos, mas aos estrangeiros, aos alemães ?
Teria sido Leão XIII, cujas palavras foram citadas? Parece bem improvável, pois os detalhes não correspondem a seu caso. Teria sido Pio XII ? Este Papa, de tanto prestígio em seu tempo, está hoje quase esquecido. Sic transit gloria mundi… Na encíclica Humani Generis, especialmente, ele procurou defender a Fé, condenando os erros da chamada Nova Teologia de Congar, de Lubac, Daniélou e Urs Von Balthasar, mas não ousou citar-lhes os nomes. Esses teólogos acabaram por ter seu triunfo no Vaticano II que adotou suas teses outrora condenadas. Vários deles tornaram-se Cardeais… Pio XII, tido como paladino da Fé pelos modernistas e por muitos ingênuos tradicionalistas, permitiu, na verdade, que o Modernismo prosperasse dentro da Igreja sem tomar nenhuma medida mais séria para contê-lo. É o que explica que, três anos após a morte de Pio XII, ao se iniciar o Concílio Vaticano II, a Igreja se visse com um episcopado quase totalmente modernista. Ele foi o Papa das omissões, dos silêncios e das ambigüidades.
Quanto aos alemães, basta citar alguns nomes bem conhecidos para ver o poder que eles alcançaram no Vaticano, sob Pio XII. Alemão era o confessor de PioXII, o futuro Cardeal Bea, tido então como conservador e que se revelou depois um dos líderes mais radicais do ecumenismo modernista esposado pelo Vaticano II. Alemães eram seus conselheiros e amigos Padre Leiber e Monsenhor Kaas. Alemã era a famosa Irmã Pascalina, enfermeira e secretária de Pio XII e primeira mulher a ser admitida no Vaticano, e primeira mulher que foi conclavista… E, por coincidência bem curiosa, o secretário do Santo Ofício, no tempo de Pio XII, o “Bibliotecário” da Abadia era então o Cardeal Ottaviani, que era quase cego…
Seria Abbone a representação de João XXIII? De Paulo VI?
Hoje, depois de muitos séculos, o Papa não é italiano. A Abadia tem um Papa estrangeiro. Karol Woytila é polonês, e nomeou como secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, (o ex-Santo Ofício), isto é, como guarda da Biblioteca da Igreja, um alemão: o Cardeal Joseph Ratzinger. Talvez seja isto apenas uma coincidência curiosa… Mas… Que curiosa coincidência! Que certamente Eco classificará como do mesmo tipo da que encontramos entre Frei Guilherme e Sherlock Holmes…
A disputa pelo poder supremo na Igreja-Abadia mostra que ele só tem importância na medida em que o Abade mantém as chaves da Biblioteca em suas mãos. É por ter as chaves doutrinárias que o Papa pode “abrir e fechar o poço do abismo” (Apoc. IX,1), ou as portas do Reino dos céus. O labirinto do poder eclesiástico leva da Igreja à Biblioteca.
O que contava na Abadia, na verdade, não era o cargo de Abade e sim o de bibliotecário. Na Igreja, especialmente quando o Papa é fraco, o que tem importância é o controle da Doutrina da Fé. É lá, na Biblioteca, que está o mistério da Abadia. É lá que se formam os monges, isto é, os futuros Abades e Bibliotecários, os teólogos que influenciarão e aconselharão os Papas e orientarão os Concílios.
Porém, como diz o imbecilizado monge Alinardo de Grottaferrata, “muitos atos de soberba foram cometidos na Biblioteca especialmente depois que caiu em mãos dos estrangeiros”, isto é, dos que não eram italianos. Por isso, diz ele, “Deus ainda está castigando “(R.349).