Ainda no céu do Sol, no Canto XI, Tomás de Aquino, ele próprio seguidor da ordem Dominicana, explica as virtudes de São Francisco e conta-lhe a história da vida do santo de Assis, mas faz também uma crítica severa a ordem dos Dominicanos, da qual fora seguidor, que se afastara das diretrizes ditadas por São Domingos, seu fundador. “Mas, sua grei tornou-se cobiçosa de outro alimento, e, assim, pelas estradas, espalhou-se, confusa e descuidosa.”
No Canto XII ocorre o inverso, ou seja, um franciscano – São Boaventura (o famoso Doctor Seraphicus, Cardeal), narra a vida e a obra de São Domingos, e agradecido retribui-lhe o “favor”, e diz dos porquês dos Dominicanos se desvirtuarem do caminho, interessados pelas riquezas terrenas, apesar de São Domingos ter sido considerado o segundo pilar da reforma da igreja católica (o primeiro fora São Francisco de Assis) : – “Domingos foi chamado: e dele falo como do lavrador que o próprio Cristo em seu horto elegeu para ajudá-lo. Foi servo e núncio autêntico de Cristo…”…”Mas a trilha que abriu, segura, à frente tornou-se em pouco tempo confundida, recoberta de musgo inteiramente.” Há neste trecho do poema uma crítica também aos Franciscanos (liderados pelo frei Ubertino de Casalli – citado, inclusive, no filme/livro o Nome da Rosa de Umberto Eco) que, à maneira dos Dominicanos, não seguiram as diretrizes de seu fundador à risca e não souberam atualizá-la.
Após tais explicações São Boaventura apresenta a Dante outros onze santos franciscanos que ali reluzem em plena luz – Agostinho, Iluminato, Hugo San Vittore, Pedro Comestor, Pedro Hispano, Natan profeta, Crisóstomo, Anselmo, Donato, Rabano e o calabrês Giovacchino. No Canto XIII, sem sair do céu do Sol, Tomáz de Aquino explica a Dante algo sobre a sabedoria inigualável de Salomão, que não pretendeu a ciência teológica nem a matemática nem a física, ou a lógica ou a filosofia para ser um bom rei, apenas pediu a Deus que o inspirasse e lhe desse sabedoria : “E que este exemplo, como um peso aos pés, te faça andar mais cautelosamente para o sim ou ou não que ainda não vês…Nem creiam dona Berta e o bom Mariano ao ver alguém furtar, alguém doar, antecipar-se ao tribunal divino: que pode um se reerguer , o outro tombar.” Adverte Tomáz a Dante sobre o risco dos juízos imaturos ou precipitados, a mania que temos de prejulgar a outrem.
No Canto XIV novos espíritos chegam-se àquele céu e formam uma terceira coroa de luz em torno das duas (franciscanos e dominicanos) que já lá estavam, e neste momento Dante, junto com Beatriz sente-se alçado ao quinto céu, ou céu de Marte, onde estão as almas daqueles que morreram combatendo por Cristo e pela pregação da fé cristã. No Canto XV, ainda no céu de Marte, Dante reencontra o espírito de seu trisavô Cacciaguida que o recebe com expressões de intenso afeto, narra-lhe sua vida e canta as belezas de Florença de antigamente.
O que também se repete no canto seguinte, o de número XVI, em que Cacciaguida explica a Dante as diversas famílias ilustres que lá viveram e agora são decadentes ou já extintas, e dos porquês da decadência da cidade de Florença – o declínio se devera, segundo ele, ao seu desenvolvimento e crescimento desordenado e à infiltração de forasteiros, provenientes dos arredores. Se formos dar ânimo às ilações de Umberto Eco, notaremos que neste canto Dante narra uma espécia de gênese da cidade de Florença, como no texto bíblico temos a narrativa das primeiras famílias que habitaram o mundo.
Em seguida, ainda do céu de Marte, no Canto XVII, e a pedido do poeta, Cacciaguida decifra e explica as profecias ouvidas por ele no Inferno e no Purgatório, especialmente quanto ao seu próximo exílio e às atribulações que dali adiviriam.
“Diante de mim as asas distendia o grão pássaro ali configurado pelos lumes radiantes de alegria.”
Paraíso – Canto XVIII (versos 1,2,3)
Logo, exorta-o a, retornando à terra, narrar com clarez e fidelidade tudo o quanto vira e ouvira ali, autorizando-o a escrever o poema com todas as letras e “botando o dedo na ferida” sem receio de que suas palavras pudessem desagradar qualquer um, mesmo os poderosos. “Mas sê sempre veraz, e com rigor inteira reproduz tua visão: e cada qual se rale à própria dor.”
Ato contínuo, no Canto XVIII o poeta é transportado ao sexto céu, no planeta Júpiter, onde os espíritos dos príncipes justos, que governaram seus povos com sabedoria, formam unidos a figura imensa e luminosa de uma águia, o símbolo da justiça. “Ó celestial milícia, que contemplo, protege os que, sobre a terra via, andam perdidos pelo mau exemplo!”
No Canto XIX a águia que se formara à sua frente começa a lhe falar, e o poeta lhe pede que seja esclarecida uma dúvida referente à proscrição dos pagãos, ao que a águia refuta, dizendo a Dante que a sua pouca visão, de ser humano, não lhe permitiria que se embrenhasse por tais julgamentos divinos, posto que estavam a imensa distância dos homens os desígnios de Deus.
“A inteligência humana, que é ligeiro e distante relexo, assim, da mente que abarca o mundo no seu ser inteiro não se pode sentir tão suficiente que a sua própria origem não admita mais para além de tudo o que é aparente…Porém, quem és assim tão presumido, para julgar de coisas dessa alteza, com a curta visão de que és provido?” Em seguida faz várias referências a muitos reis cristãos que eram injustos e que deveriam ser chamado às falas no juízo final, pelos maus atos e as violências praticadas contra seus respectivos povos.
E os enumera: o rei da França, Felipe o Belo, o rei da Inglaterra, da Escócia, do sacro império Germânico-romano, da Espanha, de Portugal, da Noruega e o de Veneza.