Giá era ‘l sole a l’ orizzonte giunto
lo cui meridian cerchio coverchia
Ierusalèm col suo piú alto punto;
“…Tinha sarjada em prata a barba, e mais a cabeleira que, da fronte altiva… ” Purgatório – Canto 1 (vs. 34/35)Ali perto, guardando as imediações do Ante-Purgatório, eles encontram um velho de barbas compridas e prateadas – era Catão de Útica, senador e censor romano, com amplos poderes sobre a moralidade e os costumes romanos, defensor da aristocracia dos patrícios e contrário à arte e ao ensinamento da retórica às pessoas não ricas de Roma, e que para não se submeter à Júlio César cometera suicídio no ano de 46 a.C.-, O velho os interroga curioso, pois sabia que vieram do Inferno, afinal os vira saindo por uma daquelas sendas : – “Quem vos conduz aqui?…O decreto do Céu foi, pois, mudado, franqueando a tais galés as minhas grotas?”
Para Catão se ambos saíram do inferno deviam ser demônios, claro! E assim os trata, como antes, em vida, diz-se ter tratado seus escravos, insensivelmente. Dante se ajoelha e Virgílio explica ao venerando senhor que Beatriz, decida do Céu, pediu-lhe que acompanhasse Dante naquela viagem, já que ele quase morrera e portanto, precisava de um guia (Inferno, Canto II): – “Não viu ainda o que trago a hora final, mas pela insânia a teve tão vizinha que por bem pouco não seria tal“.
Este que trago aqui, Virgílio explica ao velho barbudo, Dante, ainda está vivo, apesar de suas loucuras e seus erros o terem levado à beira da morte. E não havia outro meio de salvá-lo senão este – ou seja, conduzí-lo ao Inferno, e dali até onde agora estavam os três a conversar.
E por estarem com pouco tempo, Virgílio desculpa-se por omitir detalhes da viagem – explica apenas que fora movido pela virtude ou pela vontade divina.
-“Acolhe-o, então! Que a liberdade pia buscando vai, da qual sabe o valor quem da vida saiu, por ela, um dia.” Virgílio fala claramente da liberdade moral, aquela que se configura como o fundamento de toda outra liberdade, e explica que Dante luta por ela, assim como ele, Catão, o fizera, e pode ele próprio avaliar, pois por ela, pela sua liberdade, renunciara à vida. Há uma certa ironia nestes versos de Dante, pois ele deveria saber que Catão era um velho aristocrata defensor da permanência do poder romano nas mãos dos patrícios e dos senadores republicanos oligarcas como tal.
O velho Catão mostra-lhes então os sete terraços, ou giros na encosta do Monte e que formam o Purgatório (Dante imaginou o Paraíso terrestre colocado exatamente sobre o pico do Purgatório). E recomenda que Dante lave o rosto, pois está cheio da fuligem do Inferno, e que use um fragmento de junco, símbolo da humildade. Só então Dante se ergue e lava-se com o orvalho colhido por Virgílio, recobrando a cor original de seu rosto.
O Canto II do Purgatório descreve os poetas caminhando por uma praia e a visão que têm de uma nave que se aproxima, conduzida por um Anjo, e de onde descem as almas destinadas àquele lugar. A luz emitida pelo habitante do Céu em sua nave era tão intensa que a vista de Dante se ofusca, mal podendo suportar seu brilho. Tão logo o Anjo se afasta, para buscar uma nova remessa de almas, ele pode ver ali as almas que aguardam a purificação antes de adentrarem ao paraíso. Dentre elas está a de Casella, um amigo e músico florentino a quem Dante manifesta o desejo de ouví-lo cantar, como antes o fizera em sua cidade.
À vista do amigo músico Dante manifesta vívido alívio por ter saído do Inferno e por saber que lá não ficará. Faz menção de abraçar o amigo, mas após mover os braços três vezes, em direção ao músico, que também manifesta a mesma intenção, apenas palparam o ar, tornando seus braços vazios ao próprio peito. –“Ah sombras vãs! que o sois, menos no aspecto! por três vezes nos braços o estreitei, mas não pude palpar qualquer objeto!”(Eis, neste trecho do canto e do poema, a prova de que Dante se inspirou profundamente na Odisséia de Homero, obra que deve ter lido em latim. Lá no texto poético grego, narrativa das desventuras do herói que tenta retornar à terra natal – Ítaca – ocorre o mesmo fenômeno, quando no Hades, Homero tenta abraçar a alma de sua mãe três vezes.)
Odisséia
Ilíada
Casella então inicia uma canção que a todos envolve, mas é interrompido por Catão, que ressurge, e os manda apressarem-se em direção aos giros do Monte -“Que negligência, que lazer molesto! Ao monte andai!…”/p>
No Canto III Dante percebe que Virgílio se sente envergonhado pelo fato de terem-se demorado ouvindo Casella cantar, motivo da admoestação de Catão, e que o fizera por culpa sua (de Dante) que queria ouvir seu amigo. Adiante, já esquecido do fato, o poeta expressa sua curiosidade por perceber que apenas uma sombra está projetada no chão, a sua própria. Assustado, por se sentir subitamente só, procura Virgílio que lhe explica que a luz o atravessa por tratar-se de um espírito, uma aparência, mas Dante é ainda um ser vivo, tem massa e corpo.
Contudo, apesar de aparência, de ser incorpórea, a alma de Virgílio, como todas, sofre, pela vontade divina, os castigos como o do fogo e do gelo (como no Inferno), mas sem se revelarem os processos através do qual isso foi obtido. E que os homens devem se contentar em conhecer as coisas como são, como se apresentam, sem querer saber-lhes as razões. E os que tentaram alcançar a razão de tudo, e entre eles os maiores filósofos (e se estes não conseguiram, ninguém mais conseguirá), estão condenados ao Limbo, a ruminar eternamente a sua ânsia insatisfeita. Essa é também, provavelmente, a razão da tristeza e da turbação de Virgílio, ou talvez o fato de também ser ele um dos que se encontravam no Limbo (lá também estava Márcia, a mulher de Catão e Virgilio ouve as lamentações do velho senador que diz que ainda a ama, atormentado pela separação e a distância.