“A inteligência está ausente”
Nasceu em Estagira em 384/83 a.C. – e começou a estudar com Platão aos 17 anos na Academia. Pensador independente, chegou a criticar o próprio Platão, mas a história deixa claro que tudo se deu numa profunda relação de respeito e fidelidade ao mestre. Segundo Diógenes Laércio houve um período platônico na especulação aristotélica, e na elegia no altar de Platão (parágrafo 71) o próprio tom utilizado por Aristóteles é singular(V,2). Na Ética à Nicômaco ele diz: “Talvez seja melhor, e até mesmo um dever, para salvar a verdade, sacrificar os nossos assuntos pessoais, principalmente quando se é filósofo: a amizade e a verdade são ambas estimáveis, mas é coisa santa amar mais a verdade.”
O pai de Aristóteles, Nicômaco, fora médico na corte da Macedônia, e talvez se deva a isso o convite feito pelo Rei Filipi para que o filósofo se encarregasse da educação de Alexandre Magno. É possível, também, que o Rei tenha se sentido atraído pela postura aristotélica da superioridade da cultura grega e de sua crença na capacidade daquele povo em dominar o mundo, se a ela fosse acrescida uma forte unidade política. Quando Alexandre subiu ao trono Aristóteles voltou para Atenas, 13 anos depois, célebre como mestre da vida espiritual e como filósofo; a amizade com o Rei colocaria à sua disposição instrumentos de investigação e meios excepcionais para aquele tempo. Fundou então a sua escola – O Liceu – com um edifício, um jardim e o peripato, de que tomou o nome.
Lá praticava a vida em comunidade (como na Academia platônica) com uma ordem e a disciplina das lições firmemente estabelecida. De manhã aulas de argumentação filosófica, as mais difíceis e que ficaram conhecidas como sendo o esteio de seus textos e ensinamentos esotéricos, e à tarde cursos de retórica e dialética a um público mais vasto, auxiliado por outros filósofos antigos – Teofrasto e Eudemo, que os estudiosos chamam de estudos exotéricos. No seu testamento constam o nome de sua mulher e de sua filha, além de outra mulher chamada Erpílis com quem tivera um filho chamado Nicômaco. Morreu aos 63 anos de uma doença no estômago, mas seus conhecimentos e o sistema filosófico sobre o qual se fundamentou se estendem até os dias de hoje, sendo ainda a síntese orgânica (a partir de Pitágoras, Sócrates e Platão) e o sustentáculo do pensamento ocidental cristão.
Aristóteles foi, durante séculos, o oráculo da filosofia, e sua obra foi olhada como a soma dos conhecimentos humanos; emancipando-se de sua autoridade é que a filosofia abriu novos caminhos. Todavia, se havia acabado por se esclerosar numa escolástica, o pensamento aristotélico foi, em sua fonte, animado por imensa curiosidade científica e vigoroso espírito crítico
Joseph Moreau
O trabalho de Aristóteles é sem dúvidas uma obra de fôlego superior, uma enciclopédia no sentido mais profundo do termo dada a diversidade de interesses que abrangia e da seriedade com que procurava elucidar analiticamente os dados observados, feita, obviamente, não por ele apenas, mas pela sua equipe de pesquisadores, nos moldes em que tabalhava em seu Liceu. Além da pesquisa pelos próprios esforços e recursos, o Liceu aceitava os trabalhos de vários outros mestres e pesquisadores e os submetia à crítica aristotélica, ao Corpus aristotelicum, que em suma é o resultado do próprio pensamento de Aristóteles. Seria visto hoje, guardadas todas as diferenças, como, uma espécie de reitor da própria universidade que fundou.
O conteúdo deste Corpus aristotelicum apresenta uma ordenação e uma distribuição sistemática – O Organon (ferramental), ou tratados de lógica, que Aristóteles considerava não como ciência ou como filosofia, mas apenas e tão somente como os instrumentos que elas utilizam em suas construções. Estão aí incluídos os estudos sobre as Categorias, que estudam os elementos do discurso, os termos da linguagem; Sobre a Interpretação, que trata do juízo e da proposição; os Analíticos (Primeiros e Segundos) e que se ocupam do raciocínio formal (silogismo) e da demonstração científica; os Tópicos, que expõem um método de argumentação geral, aplicável em todos os setores, tanto nas discussões práticas quanto no campo científico; Dos Argumentos sofísticos, que complementam os Tópicos e investigam os principais tipos de argumentação, as falaciosas, capciosas, ou falsas.
Após o Organon os estudos aristotélicos apresentam uma série de obras dedicadas ao estudo da natureza. A Física (seguem-se pequenos tratados sobre a natureza, o movimento, o infinito, o vazio, o lugar, o tempo etc.), Estudos sobre o Céu, sobre a Geração e a Corrupção, estudos sobre o mundo sideral e o sublunar, e finalmente os estudos sobre fenômenos atmosféricos, os Meteorológicos. Depois temos o Tratado da Alma (De Anima) que inicia uma série de estudos sobre o mundo vivo (a sensação, a memória, a respiração etc.) que denominam-se Parva naturalia – fundamento da Psicologia moderna. Destas obras referentes ao mundo vivo a principal é a História dos Animais, cheias de múltiplas e minunciosas observações.
Quatorze livros são exclusivamente dedicados à filosofia especulativa ou teórica e recebem o nome de Metafísica, que estudam os princípios e as primeiras causas de toda a realidade. Depois temos os estudos da Ética (Ética à Nicômaco – editada pelo filho de Aristóteles – e a Ética à Eudemo – editada por seu discípulo Eudemo de Rhodes – e também a Grande Moral – Magna Moralia – um resumo da mesma ética, editada posteriormente). Seguem-se os oito livros da Política, sem um encadeamente rigoroso, para depois surgirem a Retórica (dedicada a arte da argumentação, objeto de paixão dos advogados e juízes, que complementam os Tópicos do Organon) e a Poética do qual restou apenas alguns fragmentos.
Além destes trabalhos consideradoas autênticos ainda restam outros escritos que a crítica considera apócrifos, mas que são citados no Corpus aristotelicum, como Sobre o Mundo (De Mundo), os Problemas, O Econômico e Sobre o Melisso, Xenófanes e Górgias.