por Dante Alighieri
É talvez o primeiro tratado político inspirado na filosofia escolástica, e foi possivelmente concluída em 1298, como extensão às digressões oratórias do Banquete*. Seu foco ateve-se a procurar esclarecer a política medieval que se transporta até nossos dias através dos fundamentos teológicos do estado moderno.
A monarquia é um tratado de escatologia, de teodicéia e de filosofia política; representa, perante a história, a vitória dos ideais cristãos sobre o paganismo. A teoria aqui escrita vincula toda a sua compreensão filosófica no reclamo à necessidade de um império único, sob cujas leis se reúnam todos os povos da terra. “Da ordem espiritual e da ordem temporal emanam a tranquilidade que mantém a justiça, e a paz universal é o primeiro dos bens ordenados pela nossa beatitude.”
O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira parte é francamente de inspiração Aristotélica, apresentada aqui em sumaríssimo resumo fraseológico:
I – Da Necessidade da Monarquia – 18 capítulos;
Livro I que se compõe de 18 capítulos –
Capítulo I – Introdução – em que Dante evoca a República de Platão e a obra de Aristóteles, e se diz capaz de, iluminado por Deus, ir às trevas e descortinar, para sua glória pessoal, ainda que não creia em sua própria virtude, (contraditoriamente ou especulação ? grifo meu) as verdades ocultas e úteis da Monarquia temporal.
Capítulo II – Significado da Monarquia Temporal – em que Dante ao questionar a necessidade do regime proposto, a legitimidade de seu exercício e a proveniência da autoridade da Monarquia poprõe um escrutínio do princípio a fim de esclarecer as proposições que se seguem.
Capítulo III – A matéria não está ordenada à especulação: a ação política – “Há coisas que não dependem de nós, e delas se pode especular, mas não atuar. Há outras, ao contrário, sobre as quais podemos não só pensar, mas atuar, e há coisas em que a ação não é para a produção do conhecimento, mas um fim em si mesma. Como a presente matéria é a política, fonte e princípio de todo governo reto, e como toda política depende de nós e não está dirigida à especulação é necessária a ação. A política é um fim em si mesma.”
Capítulo IIII – Do fim último da sociedade – Dante afirma as finalidades propostas – do homem individual , da vila, da cidade, do reino e do fim supremo, a natureza, que foi criada pela totalidade do gênero humano (antropocentrismo?) e evoca a perfeição de cada espécie da natureza, individualmente, e coletivamente como a perfeição, o próprio Deus. Do intelecto especulativo ao prático: “quem tem vigor de inteligência deve naturalmente comandar os outros.”
Capítulo V – Do intelecto possível na especulação e na ação. Converter em ato a potência do intelecto, com prudência e sabedoria adquiridas com a idade na quietude e na paz, para dedicar-se a sua própria obra que é quase divina, é a função de todo homem que em essência tem pouco menos que um anjo.
Capítulo VI – Do gênero humano e da paz universal. Esta é a obra final para a qual está ordenada toda a sequência de pensamento até aqui dirigida: A busca da paz entre os homens.
Capítulo VII – Conveniência em que uma coisa regule e governe. Num lar o fim é preparar o bem estar de todos os seus membros, convem que haja um que coordene, regule e dirija, e segundo Aristóteles toda casa é governada pelo mais velho. Assim deve ser para uma aldeia, ainda que imposto de fora, ainda que oriundo de sua própria proeminência do consentimento dos outros (Democracia), mas se todos querem prevalecer tudo se corrompe. Assim para uma cidade, assim para um reino. Se todo gênero humano está ordenado para um fim – a paz universal – então é preciso que um monarca reine para o bem do mundo.
Capítulo VIII – Da ordem observada na humanidade – A parte não excede o todo em bondade e nem o contrário é possível, já que uma é a outra. Assim, todas as partes, que constituem os reinos, e os próprios reinos, partes de um outro todo, devem ser ordenados por um Príncipe ou Monarca.
Capítulo IX – Do universo correspondente a Deus, dos reinos correspondentes ao Monarca. Assim como as partes da universalidade humana correspondem ao seu todo, esta deve também corresponder ao seu todo – logo a universalidade humana corresponde ao seu universo, ou melhor ao seu Príncipe, que é Deus e Monarca, por um princípio único – o único Príncipe.
Capítulo X – Dos homens e da Imagem de Deus uno. Tudo é bom e excelente quando em conformidade com a intenção de Deus. Consequentemente o gênero humano é bom e excelente, porém , assemelha-se tanto mais a Deus , quanto mais é uno; a verdadeira razão da unidade somente nele se encontra. logo, assemelha-se mais a Deus quando obedece a um único príncipe.
Capítulo XI – Dos homens, filhos do céu, e do exemplo do céu. Ao imitar o pai, que é perfeito, o filho é perfeito. O céu é perfeito, o Gênero humano é filho do céu. Logo, o gênero humano se conduz excelentemente quando imita tanto quanto a sua natureza o permite, o exemplo do céu.
Capítulo XII – Do supremo juiz – pode haver litígio entre dois príncipes. Convém que haja quem os julgue, já que um não pode processar o outro por não estarem sujeitos entre si. Essa terceira força será o Monarca com maior jurisdição e poder que os outros. E se outro, de outra jurisdição também o julgar, e outro também o fizer teremos um processo infinito. Assim, só o Monarca, o primeiro juiz, poderá dirimir todas as questões.
Capítulo XIII – Do mundo em face do poder – Quanto mais forte seja o justo, tanto mais ampla será a ação da justiça. Na Ética a Nicômaco , segundo Aristóteles, o que mais contraria a justiça são os apetites. Onde não há nada que possa ser desejado é impossível que haja apetite, destruídos os objetos da paixão, esta desaparece. Sem paixões nem apetites busca-se a caridade. O Monarca reina absoluto sobre tudo, é o mais poderoso, portanto não há mais o que desejar, logo não tem apetites ou paixões e pode ser justo e caridoso.
Capítulo XIV – Do gênero humano e da liberdade. O livre arbítrio é o primeiro princípio da liberdade, é o livre juízo da vontade. Muitos o têm na boca, poucos no intelecto. É mistrer saber o significado de cada palavra. O juízo é intermediário entre a apreensão e o apetite; primeiro se apreende a coisa, depois e julga se é boa ou má, e então segue-a ou a abandona. Se o juízo move o apetite e não provém deste é livre, do contrário é cativo.
Os brutos não podem ter o livre juízo posto que os seus provém do apetite. Esta liberdade é o máximo dom dos conferidos por Deus. Quem haverá de afirmar que não vive melhor o gênero humano quando mais amplamente pode desfrutar de tal princípio? “Que sob o mau governo o homem bom é mau cidadão; num governo reto o homem bom e o bom cidadão são a mesma coisa.” O governo não tem por fim as leis, mas as leis têm por fim o governo, e os que vivem sob a lei não se ordenam em razão do legislador, mas este em razão daqueles, o que quer dizer em miúdos, que o Rei ou o Cônsul, ou Monarca, em razão dos meios são senhores dos demais, e em razão do fim são servidores dos demais e deve ser considerado servidor de todos. (Quem detem os meios detém o poder, numa escala prática e de realismo. Grifo meu).
Capítulo XV – Do melhor disposto para reinar – Nada atua se não é tal como deve chegar a ser o paciente: tudo o que se converte de potência em ato, se converte por algo que já existe em ato. (ver cap. XIV).
Capítulo XVI – Por um ou por muitos – O que pode ser feito por um, melhor será feito por um do que por muitos.
Capítulo XVII – Do todo e do uno. O ser a unidade e o bem têm uma ordem entre si…Primeiro, o ser por natureza produz a unidade; esta, o bem; quanto maior é o ser é sumamente uno, e o sumamente uno é o sumamente bom.
Capítulo XVIII – Cristo e Augusto – Até o apóstolo Paulo chamou a época de Augusto de plenitude dos tempos. “Eis aqui, quão bom e jocundo é quando os irmãos habitem a unidade. “
Seguem-se os outros dois livros, compostos em 13 e 16 capítulos respectivamente.
II – De como o povo romano obteve legitimamente o ofício da Monarquia ou Império – 13 capítulos ;
III – O encarregado da monarquia ou império depende imediatamente de Deus – 16 capítulos
*O Banquete (Il Convivio) – Dante dá este título ao seu livro em homenagem ao mestre Platão, pois imita-lhe o modo literário do diálogo.