No Canto XXVI, ainda no mesmo céu oitavo, o apóstolo João Evangelista interroga o poeta sobre a virtude da Caridade – “Convém passares por mais fino crivo: Que foi que a seta te orientou, então, a alvo como esse tão remoto e esquivo? Tornei-lhe: A filosófica razão, e o fundamento que no céu esplande combinaram-se em mim nessa impulsão…o justo que morreu por nos dar vida, … – tiraram-me do mar do erro sem fim, conduzindo-me à praia apetecida. Amo as ramas florescentes do jardim do eterno jardineiro, e as amo tanto quanto nelas o bem reponta, assim.”
Pouco depois a alma de Adão, o primeiro homem, se reúne aos três apóstolos e ao poeta, ali conversando, e apressa-se a explicar-lhe alguns pontos obscuros de sua própria vida. Pecara não por ter comido do fruto proibido, mas por ter desobedecido ao mandamento de Deus, e depois que vivera por novecentos e trinta anos na Terra, desde que fora expulso do Éden, tempo em que provavelmente, já como homem desperto de suas funções animais e terreais, deve ter-se encontrado com várias mulheres e com elas procriado. Teria então permanecido mais de quatro mil anos no Limbo de onde Cristo finalmente o tirara para levá-lo ao Paraíso.
No Canto XXVII o apóstolo Pedro, o fundador da Igreja Católica Apostólica romana (ao afirmar toponimicamente a região da igreja (Roma era o centro do Mundo Ocidental e expandira-se em direção ao Oriente, onde fixou-se um limite geográfico – Constantinopla ) manifesta a Dante seu desagrado e indignação contra os erros e desvios da igreja de seu tempo.
E já podendo ver distintamente, eu lhe indaguei, coma alma ainda enleada, sobre o quarto luzeiro ali presente.
Paraíso, Canto XXVI -vs. 79,80,81
Seu brilho muda de cor e ele explica ao poeta que ficou mais vermelho porque sentiu ira, já que fora o primeiro papa da igreja e agora a via naquela situação que pouco mudaria no futuro. “O que na terra o posto que ocupei usurpa agora, e o deixa assim vacante aos olhos de Jesus, nosso Rei, converteu em sentina degradante a minha própria tumba, onde o exilado dos céus se refocila, delirante.”
A alma do apóstolo Pedro diz a Dante que ele deve contar as coisas que ali ocorreram e criticar a igreja “E tu, que voltarás, sendo mortal, à terra, lá chegando, narra a gente o que ora te anuncio, tal e qual.” Ou seja, Pedro, lhe confere uma missão política. Em seguida Beatriz chama-lhe a atenção e o faz perceber que subiram ainda mais em direção ao nono céu. E sorrindo para ele faz com que sinta a ascensão ao primo móbile ou nono céu no Canto XXVIII.
Ali o poeta distingue, no alto, um brilhante foco de luz intensa, e à sua volta, estavam nove anéis se movendo, e a velocidade e o brilho destes anéis era menor, ou diminuía, na medida em que se afastavam do centro. O ponto luminoso central era a própria divindade, explica-lhe Beatriz, e os anéis eram os anjos em coro que influenciavam os nove céus abaixo. Sem dúvidas ele relata um fenômeno físico (Dante aqui viaja como Paulo, caçador de cristãos, ao ser tocado pela luz do Cristo?).
Do texto se apreende que Dante quer, de forma geométrica e em perspectiva, narrar na sequência dos versos a disposição dos céus. “Mas Beatriz, que podia ler em mim, seguiu dizendo: Os giros iniciais cabem ao Serafim e ao Querubim. Ei-los que voam, rútilos, iriais, na ânsia de ao Ponto se irem igualando; e mais o igualam quanto o vêem mais. Os lumes a seguir se demonstrando os tronos são daquele Amor dileto, o primeiro ternário completando.” Terá o poeta tentado fazer um poema visual como O Ovo, de Símias de Rodes, datado de 325 a.C.?
Note-se que à época Leonardo Da Vinci (1452-1519) ainda não era nascido e que a idéia da perspectiva na pintura só viria à tona com ele, com Michelângelo Buonarroti (1475-1564) e com Rafaello Sanzio (1483 – 1520) os três formando um tripé dos maiores artistas do Renascimento, introdutores de novas técnicas em pintura, escultura e arquitetura, baseadas em redescobertas da matemática clássica, além de serem também poetas e inventores.
Passamos então ao Canto XXIX em que Beatriz adivinha os pensamentos de Dante mais uma vez. Ela lhe explica como são criados os anjos e qual a sua natureza, para depois tecer uma crítica severa aos falsos pregadores, aqueles que deixaram de lado os ensinamentos das sagradas escrituras e enganam os fiéis com balelas, chalaças e falsas interpretações do texto sagrado. “No entanto, culpa tal no céu merece menos repúdio que quando se nega a Escritura ou se a obscurece.” Quem hoje pode nos ensinar como são feitos os anjos? Tão deturpada história nos deixaram a sensação de pequenas criaturinhas com rosto e corpo de bebês, gordinhos, com seu pintinhos de fora (são todos masculinos) e asinhas…Muitos relacionados ao “amor”!
No Canto XXX Dante chega à casa da divindade e vê à sua frente um rio de luz assumir uma forma circular como se fosse uma rosa e nas suas pétalas e na aura luminosa que apresenta estão as almas beatificadas e os anjos, respectivamente. “O Amor que imobiliza o Empíreo céu saúda assim a todos à chegada, por prepará-los para o brilho seu.”
Ao final deste canto Beatriz revela a Dante que o próximo papa – Clemente V – trairá Henrique VII de Luxemburgo que se sagrará Imperador dos Romanos – e a ele fará resistência velada, sabotando-lhe todas as tentativas de unificar a Itália. Clemente V, conhecido como o Gascão, leva a sede da igreja Católica para a França e a tentativa de Henrique falha, pois, como disse Beatriz, a Itália não estava pronta. “…o qual, chegando à suma investidura, sacudirá a Itália, mas em vão, pois a achará hostil e não madura.” O passeio de Dante ao paraíso demonstra, assim, a intenção política do poeta em apontar os desvios e as intrigas da conduta católica, na disputa pelo poder terreno, ele que era um tipo de “deputado” de origem franciscana.